O Sirius é a exceção que dá certo da ciência brasileira, diz Salvador Nogueira
Em tempos de orçamento cada vez mais apertado para a ciência brasileira, a construção do novo acelerador de partículas brasileiro, o Sirius, em Campinas (SP), é exceção, em um cenário de presepadas internacionais e a eterna falta de planejamento além da próxima eleição.
A opinião é do jornalista científico Salvador Nogueira, colunista da Folha, e segundo convidado do programa Fale, blogueiro, de entrevistas com blogueiros do jornal no Instagram Stories. Ele mantém o blog Mensageiro Sideral, sobre astronomia.
A conversa começou com Stephen Hawking, cientista britânico morto na última quarta-feira (14), e um dos maiores nomes de todos os tempos.
Assista à íntegra da conversa e leia os melhores trechos abaixo.
Como você recebeu a morte do Stephen Hawking?
Um amigo mandou pelo WhatsApp. “Isso é verdade?” “Puts, tem toda cara de ser”. É triste falar, mas existia essa expectativa há muito tempo. Os médicos deram três anos, e ele viveu mais de 50, então eu já estava de sobreaviso. No lado pessoal, fiquei emocionado, mas com um sentimento bom de “missão cumprida”. Esse cara é um exemplo tão maravilhoso para a humanidade, fez tantas coisas em condições tão adversas. Falamos dele cientista, mas tem o ser humano engajado na causa dos deficientes físicos. Perdemos a figura, mas seu exemplo permanece.
Em termos históricos, como encaixar Newton, Einstein e Hawking?
O Hawking é uma grande figura numa escala além da realização científica. Ele não era tão genial quanto Einstein e Newton, pontos fora da curva. Mas ele foi um grande pesquisador, com resultados revolucionários no que diz respeito à física de buracos negros, à cosmologia e à nossa tentativa de compreender a origem do universo. Mas ele tem outra dimensão do ser humano que os outros não têm. Quer dizer, o Einstein até tinha, com a questão pacifista e fuga do nazismo, mas o Newton era um cara recluso, vingativo, não era um bom exemplo de vida. Eu não gostaria de tê-lo como amigo, menos ainda como inimigo.
Até onde vai Elon Musk?
Acho impressionante que um cara só, determinado, com boa visão, é capaz de mudar o mundo. Ele é o melhor exemplo disso que jamais conheci. Enfrentou a indústria automobilística e do petróleo, e hoje todo mundo diz que na Europa só vai ter carro elétrico até 2040. Com a Tesla, ele empurrou isso quando a indústria automobilística tinha zero interesse. E a mesma coisa ele fez com a exploração espacial. Era um clubinho com meia dúzia de empresas que fazia lançamentos da forma mais cara possível, com tecnologia da guerra fria. Não importava o preço, mas sim que funcionasse. Com poucos lançamentos você tinha pouco aprendizado. O Elon Musk quebrou todas essas barreiras com a SpaceX. E ele começou a desenvolver coisas que há cinco anos, se falasse para um especialista em tecnologia de foguetes, ele iria falar que é loucura, que iria demorar 100 anos para dar certo. Por exemplo, reaproveitamento de foguetes.
A NASA nunca tentou?
Sim, mas se arrependeu amargamente. Foi com o programa dos ônibus espaciais (de 1981 a 2011). Ela descobriu que para o projeto para ser seguro de verdade você precisava reconstruir a nave inteira do zero. O que chamou atenção na SpaceX não foi o fato de pousar o foguete, mas sim de reutilizá-lo a um custo que valesse a pena. Vale lembrar que o Falcon Heavy foi feito com verba 100% da SpaceX, de foguetes passados.
Qual o próximo passo de Elon Musk?
O BFR em desenvolvimento, se der certo, vai permitir a gente colonizar a Lua, Marte, fazer turismo espacial, viagem de ponto a ponto na Terra (faríamos SP a Tóquio em 45 minutos com direito a passeio no espaço). Ele diz que será a um preço compatível com os praticados pelas companhias aéreas. Claro que há a dúvida “será que ele vai conseguir”? Mas há cinco anos ninguém acreditava que ele conseguia fazer o que já fez.
Qual o panorama da ciência brasileira hoje?
Estamos vivendo um momento muito delicado e preocupante da ciência brasileira, com cortes de verbas abissais. Tivemos os últimos dois anos com orçamento terrível. Com a PEC do Teto, ele ficou congelado num nível muito baixo. Fora isso, temos nossas presepadas diplomáticas, com suspensões de acordos de cooperação porque o Brasil tem o crônico hábito de não cumprir sua parte nos acordos. O ESO (Observatório Europeu do Sul) e a ISS (Estação Espacial Internacional) são exemplos disso. Passamos vergonha lá fora. Uma coisa é discutir se devemos entrar. A outra é decidir entrar, usufruir vantagens do acordo, e depois parar de cumprir com as obrigações até ser suspenso.
O Sirius (acelerador de partículas síncroton, em construção em Campinas) pode virar um elefante branco?
É um dos únicos projetos que estão sobrevivendo bem nesse cenário de penúria da ciência brasileira. Ele recebe recursos adequados, está sendo bem executado, e tem potencial para ser um polo de qualidade internacional. Não vai competir com o LHC, que acelera outros tipos de luzes. O projeto é absolutamente bom. É um dos pontos que devemos destacar, quando nos propomos a fazer um negócio direito, conseguimos. Basta vontade política, coerência, competência técnica. O Sirius prova que o Brasil pode estar de igual para igual. No caso do ESO, astrônomos brasileiros participam de projetos importantes, fazem trabalho de ponta lá fora sem deixar nada a desejar. Ou seja, competência técnica temos, o que falta é visão estratégica, é o governo parar de pensar só na próxima eleição e fazer um investimento em ciência e tecnologia.
O Brasil vive uma fuga de cérebros?
Temos bons astrônomos aqui e lá fora. E isso vale para a maioria dos campos da ciência em que o Brasil atua. Eu acho o caso da Suzana Herculano-Houzel emblemático. Quando ela jogou a toalha houve uma reação crítica da comunidade acadêmica “derrotista, tinha que ficar e lutar”. Ela, uma pessoa que fez vaquinha na internet para manter o laboratório funcionando. Não foi alguém que desistiu de cara. Mas não dá para fazer vaquinha todo ano. A vantagem de produzir ciência no seu país é que eventualmente a pesquisa vai se transformar em produtos que vão trazer emprego e tecnologia para seu país. A ciência é uma cooperação internacional. É muito difícil pegar um artigo científico que todos os pesquisadores sejam de um só país. A diferença é que se ela fizer algo novo agora vai beneficiar economia americana e não a brasileira. Dois anos depois, todo mundo que detonou a Suzana está na mesma briga e querendo ir embora após esses cortes drásticos. Tem instituto que não consegue pagar a conta de luz. É uma coisa dramática e séria.
Por que a astronomia é tão popular nas redes sociais?
A astronomia é muito visual, e isso é muito importante para as redes sociais. Antes do telescópio, não podíamos ver grandes detalhes no céu, não havia razão para que a gente achasse ele bonito. Com o telescópio, descobrimos coisas maravilhosas. Então a pessoa vê uma foto de astronomia e fica encantada. Tem um segundo aspecto de que a astronomia remete às nossas origens, quem nós somos, de onde viemos, para onde vamos. É inegável que a grande maioria da humanidade nasce com essas curiosidades.
Como lidar com correntes como a dos terraplanistas?
Não tem que lidar com terraplanistas. Terra plana é um fake news de 500 anos que voltou à tona. Cara, você defendeu a terra plana, você está fora do jogo. “Ah mas isso não é democrático”. Cara, é meu espaço. Eu tenho falado e estou convencido de que esse é o caso. Eu não vou no canal do terraplanista falar que a Terra é redonda. Eu não vou no canal dele poluir com ideias contrárias. Criei uma vinhetinha de 3 segundos nos meus vídeos que diz: “esse vídeo não é recomendado para quem acredita em Terra plana”. Se alguém quiser falar, vai falar em outro lugar. Pode soar em outro autoritário, mas as redes sociais ainda é algo que a gente ainda está aprendendo a lidar, com novos parâmetros. O YouTube tem problemas com anunciantes porque não consegue direcionar os anúncios para canais que prestam, e estão cortando a monetização. E o mesmo acontece com criacionismo. Não é ciência.
Confira a primeira edição do Fale, blogueiro, com a jornalista Giuliana Miranda, do blog Ora Pois. Para ela, Portugal deixou de ser lado B da Europa para virar referência no turismo e em qualidade de vida.