Afinal, qual a diferença entre meme e mene?
Mateus Luiz de Souza
A dúvida surgiu após um post aqui no #Hashtag.
Hoje estou meio chocho, capenga, manco, anêmico e frágil: a internet ganha um novo mene https://t.co/swDAYCJdQo pic.twitter.com/Ub4J6qR0Kw
— Folha de S.Paulo (@folha) 6 de julho de 2017
Este blogueiro, despretensiosa e propositalmente, usou a palavra “mene” para o lugar de “meme”, por julgar as duas, se não sinônimas, ao menos equivalentes. Mal sabia o que estava por vir!
isso é meme, não é mene
— H (@zytgst) 6 de julho de 2017
Uma chuva de mensagens iradas decretavam: isso é meme, não mene. Mas, afinal, qual a diferença entre meme e mene? Essa é a pergunta de um milhão de likes. Pelo menos, a dúvida não era só nossa.
O que é mene? Kkkkk
— Thai (@ThaisaWeb) 6 de julho de 2017
O #Hashtag foi atrás da resposta.
“De modo bem simples, o meme é um conteúdo que tem capacidade de ser reproduzido e modificado pelas pessoas. O meme nasce com o propósito de ser viralizado, de atingir o maior número de pessoas possível, adaptando-se de acordo com a vontade de quem compartilha. Já o mene está contido em si mesmo, não tem como objetivo ser modificado ou transformar-se em um viral. É um conteúdo contido em si mesmo. Em suma, o mene é o antimeme”, afirma Thiago Schwartz, um dos fundadores e administradores do Site dos Menes.
Para Viktor Chagas, professor e pesquisador da UFF (Universidade Federal Fluminense) e um dos criadores do #MUSEUdeMEMES, o mene é como uma espécie de “tronco linguístico” do meme. “Os menes são uma família de memes que flerta com o humor nonsense, muitas vezes evocando trocadilhos, piadas ao pé-da-letra, e montagens ou macros que apelam a um visual “tosco” propositadamente. É um humor que se ancora na quebra de expectativas. Por isso, muitas vezes, trata-se de uma imagem que é contradita por uma legenda explicativa”, diz.
Mas vamos a exemplos práticos. Comecemos com um meme que este blog viu nascer e viralizar: o PowerPoint do Lula. A coletiva dos procuradores da Lava Jato ainda estava em andamento quando o PPT com acusações contra o ex-presidente transformara-se nos conteúdos mais engraçados e diversificados possíveis.
Apesar de a fonte original (os procuradores) não ter criado o PowerPoint com a intenção de virar meme, os astuciosos internautas rapidamente modificaram a imagem original com “o propósito de ser viralizado, de atingir o maior número de pessoas possível, adaptando-se de acordo com a vontade de quem compartilha”, exatamente como nos explicou Schwartz.
Criou-se inclusive um “Gerador de memes do Powerpoint“, em que o único trabalho é preencher os campos e o Powerpoint já sai prontinho, adaptado à sua realidade.
MENE
Para entender mene, antes de tudo é preciso conhecer o Site dos Menes. Se você não conhece, pause a leitura agora e acesse a página deles (mas volte, por favor, este blogueiro quer aumentar o tempo de leitura deste texto).
Pronto, agora que você conhece a página, deu para ter uma ideia, certo? Mas se a diferença ainda soa um tanto confusa, calma, iremos explicar.
Lembram Schwartz afirmou lá em cima que o “mene é um conteúdo contido em si mesmo, não tem como objetivo ser modificado ou transformar-se em viral”? Tomemos um exemplo.
Diferente do meme do Lula, com seus infinitos usos, o mene dos antílopes é apenas o mene dos antílopes, não assumirá outro significado. Ele até tem o objetivo de ser compartilhado, porém apenas para dar risada da piada infame.
E, como explicou Chagas, o mene “trata-se, muitas vezes, de uma imagem que é contradita por uma legenda explicativa”. Sem legendas, seria impossível entender o mene dos antílopes, ele não faria o menor sentido. Já o Powerpoint Manda Nudes não precisa de legenda (desde que, claro, você esteja por dentro do contexto).
Se, no entanto, a ideia de meme é que surja espontaneamente, os brasileiros conseguiram profissionalizar o negócio com as “fábricas de memes“, compostas por pessoas que criam memes o tempo todo com o intuito de viralizar.
ORIGEM
O meme surge como conceito ainda na década de 1970, mais de 20 anos antes da popularização da internet. Nas palavras do biólogo Richard Dawkins, criador do termo em seu livro “O Gene Egoísta”, o meme é um replicador cultural, responsável por transmitir as ideias de pessoa para pessoa e de geração para geração.
Com este entendimento do meme como um paralelo ao gene, sendo a unidade mais básica de uma suposta evolução cultural, Dawkins empresta o conceito a uma série de outros pesquisadores ao longo das décadas de 1980 e 1990, que o exploram em diferentes campos do conhecimento, da filosofia à psicologia.
“É somente com a chegada da internet e das primeiras comunidades virtuais que o conceito começa a ser apropriado e ressignificado pelas pessoas”, diz Viktor Chagas.
E, conta Chagas, são nas comunidades em que circulavam conteúdos especialmente sobre o universo dos quadrinhos, dos games, dos animes e de animais de estimação, que alguns usuários passam a batizar suas criações de “memes”, criando um sentido completamente novo para aquele conceito.
“O meme de internet, portanto, difere do meme como originalmente concebido por Dawkins. Ainda assim, eles surgiram muito antes dos sites de redes sociais como os conhecemos hoje, embora, é claro, tenham se popularizado bastante nos últimos anos”, explica.
Chagas vai além. “Se tomarmos o conceito de Dawkins ou a aplicação que faz dele uma autora como Susan Blackmore, vamos entender todo e qualquer comportamento transmitido socialmente como um meme: o folclore, a moda, as canções populares, as lendas urbanas. Nesse sentido, há muitos “proto-memes” nas piadas, nos bordões clássicos do humor… Mas se falamos dos memes de internet, um fenômeno nativo das mídias digitais, é anacrônico buscarmos uma origem anterior. Esta distinção é importante, porque marca a reapropriação do meme pelas pessoas, o momento em que ele se torna um gênero midiático.”
Ok, desvendamos a origem dos memes, mas e dos menes?
“O termo [mene] aparece pela primeira vez (pelo que sabemos) com um personagem chamado Basinguinho, que escrevia em tiopês (que era um jeito de escrever errado quase propositalmente). Nós pegamos esse termo e demos esse novo significado pra ele”, afirma Schwartz.
O Site dos Menes foi criado ainda no Tumblr, em agosto de 2012, por Schwartz e amigos. Depois, migraram para o Facebook, onde estouraram para valer a partir de 2014. Se a página não é das maiores (pouco mais de 1 milhão atualmente), conta com um público fiel e engajado. Depois veio o grupo do Site dos Menes, uma “fábrica de menes”.
E NO FUTURO?
Uma das maiores dificuldades na internet é comprovar a origem de algo. Se já é difícil para a gente, contemporâneos da era dos memes, imagina para os arqueólogos do século 31 que desbravarão a internet em busca de pistas de como nos comportávamos.
Que este post ajude, pelo menos um pouco, a explicar a nossos descendentes a diferença entre meme e mene.