A palavra gourmet deveria ser banida da Terra, diz blogueiro do Cozinha Bruta

A palavra gourmet se desgastou demais e deveria ser banida da Terra. A palavra artesanal é outra que sofre com abusos frequentes. Essa é a conclusão, um tanto semântica, um tanto gastronômica, do jornalista Marcos Nogueira, do blog Cozinha Bruta, terceiro convidado do programa Fale, blogueiro, de entrevistas com blogueiros da Folha no Instagram Stories.

O papo enveredou por polêmicas –Marcos não foge delas– e chegou a itens absolutamente caros, mas difíceis de serem evitados quando se tem crianças, como os ovos de Páscoa.

Assista à íntegra do programa e leia os melhores trechos da entrevista.

Quando foi que tudo virou gourmet?
Tem dois pontos a serem considerados. A palavra gourmet se desgastou demais. Por um lado o sujeito pega um churros, mete doce de leite colorido e chama de gourmet, é ridículo. Por outro, você pega um brigadeiro de festa de criança, que nada mais é do que doce de leite, Nescau e margarina, mais um granulado, que é açúcar e pó de cacau. Existe sim como melhorar esse brigadeiro, fazer com que fique melhor, colocando um cacau melhor, um confeito que não seja açúcar. Dá para fazer isso com hambúrguer, usando uma carne melhor. Agora, chamar isso de gourmet é o fim da picada. Virou ridículo chamar de gourmet. Qualquer coisa hoje é gourmet, coxinha, churros, sonho, quindim. Essa palavra deveria ser banida da face da terra, ela se desgastou demais, cai no ridículo. Eu evito essa palavra.

A palavra artesanal deve ser banida também?
Artesanal é um pouco diferente, ela é uma palavra que foi abusada, não é que foi desgastada. Se você for levar a ferro e fogo, artesanato é algo que uma pessoa faz, como o colarzinho do hippie, e vende para a pessoa que está do lado. O artesanato de verdade é o queijo de beira de estrada que você não sabe quem fez, não tem garantia de higiene. Agora, cerveja artesanal, não é artesanato, tem uma fábrica pra fazer, é uma linha de produção.

A cerveja caseira é artesanal?
A caseira é outra história, pode ser artesanal, porque é o cara que faz, mas em tese não pode ser vendido. A cerveja caseira você pode dar pro seu amigo, mas não pode vender, porque precisa de licença para vender. Mas eu já fui na praia em Ubatuba que tinha um cara vendendo cerveja que ele tinha feito. Ela era horrível, por sinal.

Mas gourmetização é marketing, é sobrevivência, não?
O problema que eu vejo no Brasil, não sei se no resto do mundo é igual, as pessoas veem que uma fórmula deu certo, elas replicam essa fórmula até a exaustão completa. Esse negócio do artesanal, do gourmet, é tanta gente fazendo que perde o sentido. Eu estou falando de semântica, não de comida. Você pega uma coisa que tinha um significado, mas você usa tanto isso deslocado de seu contexto próprio, que a coisa fica completamente destituída de sentido. Hambúrguer artesanal, o que é? Você mesmo pega uma carne moída, molda, frita, e põe no pão. Se o cara não fizer isso, vai botar hambúrguer Sadia? É obrigação do cara. O mínimo que se espera de um cara que vende hambúrguer é que ele faça o hambúrguer.

Você gosta de chamadas provocativas no seu blog.
Vejam bem, isso aqui é uma selva. Sou eu e não sei quantos blogueiros disputando espaço na home da Folha e do UOL, você tem que ser chamativo. Eu venho de uma escola que é do Notícias Populares, então eu domino isso de fazer chamadas como recurso para chamar atenção das pessoas para pontos que eu acho importante.

Falta uma postura mais crítica no mundo do jornalismo gastronômico?
O jornalismo gastronômico e de cultura sofrem de uma mistura de acomodação com vícios que vêm da natureza da ocupação. Para você trabalhar nessa área é preciso ter uma relação muito estreita com suas fontes. E acaba existindo uma promiscuidade de misturar isso na vida real, você acaba sendo amigo das pessoas. Eu não estou me excluindo desse grupo não. Ainda mais agora que está numa época em que os recursos do jornalismo são muito baixos, você não vai ter um fotógrafo para fazer foto do prato x, então o assessor de imprensa faz a foto e você fica um pouco com o rabo preso. É uma área muito complicada e é raro existir algum tipo de isenção. Eu busco provocar, tocar em pontos sensíveis que dificilmente são falados. Eu pago minha pena por isso, mas eu acho interessante, eu gosto de causar reflexão que não tem muito nesse meio.

A polêmica do pastel de feira foi sua maior até agora? (Marcos incluiu a comida em micos da gastronomia paulistana)
Aquilo foi uma aula para mim de edição jornalística e hábitos de leitura das pessoas. Eu fiz uma lista que pretendia ser uma lista crescente das coisas que eu mais implicava. Eu ia da menos até a mais inaceitável. E a primeira, a que eu menos implicava, era o pastel de feira. O que as pessoas leram foi justamente o pastel de feira. Eu como pastel de feira, só não acho um grande programa sair e comer pastel naquele banquinho de plástico, no sol, trocar o almoço por um pastel. Eu acho absurdo. E isso causou um monte. Eu fico assombrado, espantado com a seriedade que as pessoas dão para um assunto tão besta. Se fosse o feirante, o seu Toshio, reclamando comigo, eu entenderia, mas as pessoas que não têm nenhuma relação, não entendo. Fui chamado de mequetrefe, baitola.

Como lidar com os haters da internet?
Óbvio que por eu trabalhar com um assunto completamente supérfluo, digamos assim, que é a gastronomia, que não é um assunto de importância vital para o mundo, eu simplesmente ignorava as pessoas. Eu sei que não vou levar uma facada nas costas na rua. Mas eu achei uma loucura as pessoas levarem tão a sério, elas se disporem a entrar na página de alguém e xingar por causa de um pastel de feira. A gente pode ficar horas discutindo a polarização das redes sociais, eu acho que isso foi só mais uma consequência disso, essa necessidade que pessoas têm de se colocar de um lado ou outro do tabuleiro. E isso é muito chato isso, a pessoa não gostou de algo vai levar como ofensa pessoal. Isso é um sintoma destes dias belicosos.

Você sempre cozinhou?
Eu cozinho desde os 15, 16 anos, comecei como método de sobrevivência em viagem de molecada, com comida contada, na praia. A vantagem que quem cozinha se serve primeiro. Isso foi a primeira vez que cozinhei pra outras pessoas, mas desde pequeno eu brincava de fazer brigadeiro, pipoca. Para mim é higiene mental, eu me divirto enquanto estou lá picando cebola, fico zen.

Aumentou o número de pessoas que querem fazer comida em casa?
Acho que aumentou, mas não tenho nenhuma estatística para embasar isso. É só sentimento. O ofício de sentimento teve uma elevação de status muito grande, tanto que tem todos esses programa como Masterchef. O ofício de cozinhar antes era um afazer discriminado hoje é uma tarefa nobre cozinhar.

Ovos de Páscoa têm preços absurdos. Há como não comprar pras crianças?
Ovo de Páscoa é óbvio que você vai dar para criança, eu comprei pro meu filho de cinco anos. Agora você tem toda uma indústria de ovo de Páscoa que claramente não é voltada para criança. Essa coisa de fazer ovo de pudim, ganache de nozes de cumaru, é voltado para adulto. É uma oportunidade — e eu não culpo quem faz pois eu faria a mesma coisa se trabalhasse com chocolate — de botar um valor muito acima do normal que elas fazem. Eu acho que adultos não deveriam, mas se a pessoa quer comprar, compre, não é problema meu.

Copa chegando. O brasileiro só conhece o estrogonofe da Rússia?
Um amigo até me deu um bronca, que o estrogonofe não é tão popular assim na Rússia. Estrogonofe é dessas comidas que não é tradicional dos camponeses russos. Ela foi criada por um cozinheiro profissional que dizem que era francês e morava em Odessa, no que era a Rússia. Estrogonofe é uma receita de carne picada que cada país faz de um jeito. A gente faz com arroz e batata palha, eles faz com creme de leite e um pouco de páprica.

Você gosta de ovo?
Ovo é a comida mais sensacional que tem. As pessoas falam quando alguém cozinha mal que fulano não sabe nem fritar um ovo. Ovo para mim é a comida mais difícil que tem de trabalhar. Porque tem que lidar com temperatura. Eu, do meu tamanho, tenho uma taxa de perda de ovos de mais ou menos 20%. Nem quebrar ovo eu sei direito. Mas tem tantas formas de se preparar ovo.

Comer na rua ou cozinhar em casa?
Depende muito do que você vai fazer. Tem alguns pratos que eu só consigo comer em casa porque são caros demais. Tem uma coisa que eu não como muito fora de casa que é massa. Tem dois fatores, massa em restaurante por ser um ingrediente barato, você tem uma margem de lucro tanto. Aí você tem polvo, pato, foie gras, que o macarrão acaba sendo o mais barato. Se você quiser dobrar o preço na média do cardápio, você não pode dobrar da lagosta, porque a lagosta vai ficar inviável, então você quintuplica o preço da massa e aumenta 20% o preço da lagosta. Mas não é nem pelo preço que não gosto de comer massa fora de casa. É que macarrão, quando você pega o jeito de fazer, sai tão fácil, é gostoso. O bom de cozinhar em casa é que você pode comprar produtos de qualidade. Nenhum restaurante vai usar o melhor de cada ingrediente no seu prato, a não ser um Fasano da vida. A vantagem de comer em casa é que você escolhe exatamente o que quer.

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