Seu pet pode ser um filho para você, mas evite exageros, diz blogueira
Ter o amor de um cachorro em casa é uma sensação única, inexplicável, mas é preciso ter consciência da responsabilidade que isso traz junto. A blogueira Lívia Marra, do Bom pra Cachorro, foi a quarta convidada do Fale, blogueiro, programa de entrevistas com blogueiros da Folha no Instagram Stories, e conversou sobre adoção, maus-tratos e legislação –temas pertinentes quando o assunto é pet.
A íntegra do bate-papo está disponível no vídeo a seguir ou se preferir você pode ler os melhores trechos abaixo.
Os maus-tratos contra animais cresceram ou agora há mais exposição?
Claro que maus-tratos sempre aconteceram, mas as redes sociais amplificaram o alcance. Temos a Luisa Mell, que é uma grande ativista, e mostra os resgates que faz. É importante denunciar. A lei de crimes ambientais prevê uma punição para quem maltrata animal que vai de três meses a um ano de detenção e multa, o que considero leve. Mas se ela for aplicada de fato é um avanço. Lembrando que maltratar um animal não é só bater, espancar, mas deixar acorrentado, sem água, comida, debaixo do sol, abandonar animal doente. Além da Luisa Mell, outros protetores e ONGs menores, como Cão Sem Dono, fazem esse trabalho. Mas a gente sabe que essas ONGs vivem de doação, têm espaço limitado. Você tem que acolher o animal e dar o tratamento adequado, não adianta pegar os que estão precisando e não dar conta do recado.
Como proceder se eu quiser fazer uma denúncia?
Aqui em São Paulo você pode fazer denúncia em qualquer delegacia, e tem também Delegacia Eletrônica de Proteção a Animais, no site da Secretaria de Segurança Pública. De janeiro a outubro do ano passado tinham recebido seis mil denúncias, a maioria de agressão e de abandono.
Há boas leis aparecendo que pensam nos animais e seus donos?
Sim, um exemplo é a dos hospitais de São Paulo, em que o dono internado vai poder receber o animalzinho. Tem uma resolução do Conselho Federal de Medicina que proíbe cortes para fins estéticos, como a dos pit bulls com orelhinha cortada. O mesmo acontece com corte de cordas vocais. Cachorro tem que latir. Tem gente que devolve porque “late muito”. Isso só diminui com o tempo, com educação, adaptação.
E essa polarização entre “compre x adote”, como você encara?
Pra começar, a gente tem muito animal abandonado no Brasil. A última estimativa da OMS, de 2014, mostra que são 30 milhões de animais abandonados no Brasil, sendo 20 milhões de cães. Como eles não são castrados, a população vai aumentando. Como esse número é muito grande, essas campanhas de “não compre, adote” são importantes, se cada um pegasse um animalzinho abandonado o número diminuiria bastante. Mas eu também não critico quem quer um animal de raça.
Qual cuidado que quem quer comprar deve ter?
O principal cuidado é saber onde comprar esse animal, pesquisar bem, ver a procedência do canil. A gente sabe que existem muitos canis clandestinos no qual as fêmeas estão ali só para reprodução, sem respeitar o tempo entre gestações, visando o lucro. Nesses canis clandestinos, os bichos vivem no meio da sujeira, feridos, maltratados, em condições precárias. Aí você pensa: vale a pena pegar um animal nessa situação, incentivando que isso aconteça? Mas claro que têm canis com certificado. Se você puder, tente visitar o lugar para ver como os animais são tratados.
O que pessoas que nunca tiveram um cachorro precisam saber antes de comprar ou adotar?
Morar em apartamento não é empecilho para ter um cachorro. Se seu apartamento é pequeno, seu pet tem que ser menor. Pense que você vai ser responsável por uma vida pelo resto da sua vida, com os bons e maus momentos que ele irá proporcionar. Um cachorro vive em média 12 anos, ele passa a ser um integrante da sua família e isso tem custos. Se você vai viajar e não tem como quem deixar vai ter que levá-lo. Alimentação, veterinário, lazer, não adianta só dar água e comida. Então é preciso ter essa consciência.
Qual sua opinião sobre trocar a ração por comida integral preparada para os cães?
Conversa com veterinário é fundamental. Ração é importante de acordo com peso e idade. A ração industrializada tem todos os componentes que seu bicho precisa para ser saudável. Se você muda essa dieta, pode estar privando o seu bichinho de algum elemento essencial. Se ele tem diabetes, não pode comer alguns vegetais. Lembrando que não é tudo que os humanos comem que pode dar pro cachorro. Chocolate e uva passa, por exemplo, fazem muito mal.
Tem gente que trata pets como filhos. É um exagero?
Eu acho que é um comportamento normal, os animais de estimação cada vez mais são considerados membros da família, e ultimamente as pessoas têm essa sensação de solidão, de estarem sozinhas, e os animais cumprem esse papel sobre esse vazio, então acho um comportamento normal considerar como um filho. A Pitchi é como uma filha pra mim e pra minha família até hoje.
Mas há práticas exageradas?
É importante que o animal não se sinta desconfortável. Considerar como filho é ótimo. Mas tem gente que veste roupinha no animal 24 horas por dia, e ele pode ficar desconfortável. Se ele não está confortável com isso, mude, é como numa criança, você não faz algo que a deixa desconfortável.
Há um avanço da leishmaniose e isso tem provocado algumas dúvidas em donos de animais.
A leishmaniose é uma doença que era considerada rural e está chegando nas cidades. O mosquito transmite a doença para humanos e cachorros. Os animais são um reservatório da doença, eles não a transmite, nem se lamber ou se te morder. A questão é: para o humano sempre teve tratamento, um tratamento complicado, dolorido, que é oferecido pelo SUS. Para o cachorro, não tinha tratamento até o ano passado. A única opção era levar o animal para eutanásia. No final de 2016 o governo autorizou o Milteforan, primeiro e único medicamento no Brasil. A questão é que esse tratamento não é barato e vai precisar de acompanhamento veterinário para a vida toda. O CFM divulgou recentemente sua posição: cachorro sem tratamento precisa ser levado para eutanásia. O remédio cessa os efeitos clínicos, o pelo volta a crescer, o ferimento melhora, mas o cachorro segue sendo reservatório. A transmissibilidade diminui. Qualquer outro tratamento alternativo é completamente proibido, e o veterinário que receitar pode sofrer um conselho ético pelo conselho. Esses dias recebi um email: “ok, existe o remédio, mas você se sentiria segura de ser vizinha de um animal que está em tratamento?”, então é um assunto polêmico.
E existem medidas preventivas?
Sim, inclusive para cachorros sadios que moram em área de leishmaniose, tem coleira, tem vacinas. Eu já fui viajar em lugares que pediam a coleira como medida preventiva. A coleira não é muito cara e pode proteger seu bicho.
Você descobriu que sua cachorra, a Pitchi, tinha diabetes. Como foi?
Descobri quando ela era idosa (12 anos), e vi que era uma doença muito mais comum do que eu supunha. Tem dois tipos, assim como em humanos. Com tratamento, tem cão que consegue ter uma vida boa. Tem que ficar atento aos sintomas que o animal apresenta. Ela começou a ter uma sede excessiva, fazia muito xixi pela casa, ficava muito chatinha. A Pitchi precisava de insulina depois do almoço e depois do jantar. Quando você descobre que vai ter que pegar uma seringa e aplicar no cachorro é um susto muito grande. No começo foi difícil ter a habilidade de aplicar a injeção, eu tinha medo, apesar do veterinário me acalmar, falando que a seringa é pequena e a agulha é fininha. Com a prática acabou sendo fácil, era indolor, eu já nem percebia mais. Com o tempo, o tutor percebe que o animal não está bem, quando está na baixa o animal pode convulsionar, então é muito importante ficar atento aos sintomas. Alimentação, obesidade, sedentarismo, tudo isso pode levar o animal a ter diabetes, mas tem raças mais predispostas, como poodles, caso da Pitchi.
Lívia, eu nunca tive um cachorro em casa. Como é essa sensação de amor incondicional?
É incrível, é cachorro sendo cachorro, um amor puro, amor de verdade, não tem explicação. É muito bom chegar em casa, depois do trabalho, cansado, e vê-lo abanando o rabo, feliz da vida de te ver. Mas lembre-se: ele está te esperando, então você também tem que dar amor em troca. Só lembrando que esse amor faz bem pra saúde. Diversos estudos mostram que ter um cachorro reduz estresse –estão aí os cães terapeutas, que fazem trabalho em hospitais ou com refugiados. Nos escritórios, as chefias estão permitindo cada vez mais que funcionários levem os animais pelo menos um dia no trabalho. Eu conversei com psicólogos, com pessoal de RH, e é comprovado que faz bem, que há uma produtividade maior nesse dia pois as pessoas estão mais relaxadas. Pessoas que nunca viram você vêm falar por causa do bichinho. Ter cachorro é maravilhoso.
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