Rede social que marcou uma geração de brasileiros, Orkut surgia há 15 anos

Pouca gente sabe, mas o Orkut, lançado em 24 de janeiro de 2004, nasceu com um propósito de ser uma rede social de trabalho, uma espécie de LinkedIn (que também já existia à época).

A primeira aparição de “Orkut” em uma reportagem da Folha ocorreu em 17 de março de 2004 sob o título “Redes sociais auxiliam busca de emprego”, citando a plataforma.

Reprodução da primeira reportagem que cita Orkut na Folha

Um mês depois, em 28 de abril de 2004, nova reportagem da Folha trazia: “Internautas se ligam via redes de trabalho”.

Mas o próprio texto fazia um alerta. “Apesar de a Orkut se apresentar como rede de trabalho, o internauta que entrar para esse clube tem a impressão de fazer parte de um clube privê, em que os usuários revelam informações mais pessoais. Ao acessar, pode descobrir, de repente, algum fetiche que um amigo possui”.

De fato, a rede ficou conhecida mais pelas porcentagens de sexy, legal e confiável ou pelos tópicos de beija ou passa do que por suas conexões profissionais.

Nesta quinta (24), completam-se 15 anos de seu surgimento. Nesse período em que moldou uma geração de brasileiros na internet, viveu seu auge, decadência e queda livre. É essa história que o #Hashtag vai contar.

INÍCIO

O Google, assim como outras empresas de tecnologia, permitem a seus funcionários que dediquem parte de seu tempo no trabalho à criação de novos projetos independentes.

Foi assim que o engenheiro de software do Google Orkut Büyükkökten lançou a plataforma, inicialmente apenas nos Estados Unidos, ainda em fase de testes.

Cada usuário do Orkut possuía um perfil com informações básicas, como idade, status e uma minibiografia, e outras secundárias, como religião, humor, orientação sexual, cor dos olhos, cabelos e livros, músicas, programas de TV e filmes preferidos.

Havia ainda espaço de recados (os scraps), depoimentos, álbum de fotos, lista de amigos (o limite era de mil por pessoa) e comunidades (uma espécie do que são os grupos do Facebook hoje em dia). Em 2008, passou a ter bate-papo integrado à plataforma.

Os aplicativos também faziam um sucesso danado. Quem nunca jogou BuddyPoke ou Colheita Feliz?

Reprodução do jogo Colheita Feliz

Em pouco tempo, chegou a outros países, inclusive no Brasil, no qual se tornou bastante popular –ao lado dos EUA e Índia, formava o trio com mais usuários. Em 2008, por exemplo, eram 40 milhões de usuários brasileiros, o que representava 50% de toda a plataforma. Índia vinha na segunda posição, com 20% do total, e os EUA em terceiro lugar, com 17%. 

No início, era necessário um convite para fazer parte, daí a ideia de “clube privê” do texto da Folha de 2004.

“Eu me lembro de que no colégio isso de ter convite dava uma espécie de status. Se você era um pouco recluso, não recebia convite. Já os mais populares recebiam de outros, criando uma exclusão dos alunos ‘low profile’”, recorda a engenheira Beatriz Almeida, 29, usuária ativa do Orkut.

O sucesso por aqui foi tão grande que em abril de 2005 o site ganhou sua primeira versão em português. Outros idiomas só seriam incorporados em julho do mesmo ano, como francês, italiano, alemão, castelhano, japonês, coreano, russo e chinês.

“O Orkut foi muito eficiente. Ele era um pouco Tinder, um pouco Facebook, um pouco LinkedIn, um pouco Twitter, um pouco grupos de WhatsApp, era um produto muito bem feito. Como os brasileiros sempre foram muito sociais na internet, desde a aparição dela por aqui em 1995, com Irc, ICQ, bate-papo do UOL, MSN, deu certo essa relação nossa com a ferramenta”, conta o jornalista de tecnologia Juliano Barreto, autor da primeira matéria sobre Orkut na Folha, em 2004.

Um outro fator, no entanto, foi crucial para a popularização no país.

Em estudo publicado no Panorama Setorial da Cultura Brasileira, os pesquisadores André Deak e Leonardo Foletto relatam que houve uma “mão invisível” dando uma ajudinha.

“Uma história conhecida por pouca gente no Brasil é que o estopim da explosão do Orkut no país teve como responsável o ativista da internet livre – e letrista da legendária banda Grateful Dead – John Perry Barlow. Ocorre que, no início, como estratégia, só entrava na rede quem tinha um convite. Orkut deu 100 convites a Barlow, que distribuiu estes convites quase todos a brasileiros que ele conhecia. A teoria de Barlow, um dos fundadores da Electronic Frontier Foundation, é que o Brasil seria uma sociedade em rede pronta para receber uma rede social, porque as redes sociais já existiriam no país de maneira analógica com muita força”.

Logo do Orkut

Não foi só isso, claro. Há um tanto de acaso na história do Orkut no país. A rede social apareceu na hora e no lugar certo, num período em que o Brasil passava por um crescimento econômico e social e a internet ganhava os lares dos brasileiros.

“O Orkut aconteceu junto com a popularização do acesso à internet, e fez com que grande parte da população encontrasse ali um lugar para se comunicar, usando as especificidades brasileiras, principalmente o bom humor”, diz André Deak, autor do estudo acima e professor de jornalismo da ESPM.   

É o caso da historiadora e influenciadora digital Débora Salvi, 24, que em suas postagens pessoais atualmente recorda-se, com certa frequência, dos tempos de Orkut.

“Durante uns dois anos, eu usei muito pouco o site, porque eu não tinha internet, só entrava uma vez por semana no curso ou na casa de uma amiga que os pais liberavam a internet discada pelos sábados. Depois, meus pais instalaram internet via rádio e eu comecei a utilizar o Orkut com freqüência. Fiquei muito entusiasmada”, lembra.

ORKUT COMO TINDER

A veterinária Vitória Carneiro, 29, era uma adolescente de 18 anos em 2008 e fazia cursinho pré-vestibular. Não poderia imaginar que estava sendo vigiada.

“Meu primeiro namorado me viu no metrô com material do cursinho, gostou de mim e foi me caçar no Orkut”, conta. “Ele foi na comunidade do Etapa, onde tinha os tópicos por sala. Como eu sou uma pessoa super sociável na internet, eu estava lá falando o que queria prestar, foi fácil para ele me achar”, continua. Namoraram por seis anos.

O Tinder é um aplicativo de namoro no qual as pessoas escolhem os perfis que gostam com um coração. Caso a pessoa do lado de lá também goste, ocorre um “match”, e então elas podem conversar.

Embora o Orkut não funcionasse exatamente assim, na prática era como um Tinder. Como Vitória gostou do perfil do rapaz, aceitou sua solicitação de amizade e passaram a se conhecer melhor.

“Ele era tímido para chegar em alguém, então, se não fosse o Orkut, provavelmente nunca nos falaríamos”, recorda.

São muitas histórias de casais que se conheceram pela rede e de bebês que vieram ao mundo graças à invenção do engenheiro turco.

Uma das mais conhecidas é a de Paulo Gabriel da Silva Barros, o Paulinho Gigante, e Katyucia Lie Hoshino Barros, reconhecido em 2016 como o menor casal do mundo pelo Guinness Book, o livro dos recordes.

Os dois se conheceram por lá, em 2006. “Ele me adicionou, conversamos pelo MSN e ele ficava dando em cima de mim, enchendo o ‘saco’, até que bloqueei ele”, contou Katyucia ao G1. Pouco depois o bloqueio acabou e o casal está junto até hoje.

ORKUT COMO MÁQUINA DE FAZER AMIGOS

A tensão pós-vestibular da Fuvest de 2008 foi quebrada com o tópico “Mina ou Vaga?”, criado na maior comunidade da prova que seleciona estudantes para a USP (Universidade de São Paulo), logo após o último dia da segunda fase daquele ano.

No estilo “beija ou passa?”, um perfil fake (com fotos e informações falsas) de nome Diogo Tarantino perguntou o que as pessoas preferiam: a mina ou a vaga na Fuvest? Ele ficara apaixonado por uma menina que sentara ao seu lado e essa dúvida estava em sua cabeça.

O tópico foi um sucesso. Em poucos minutos, centenas de respostas, e as conversas iam de fetiches pessoais a futuro profissional –no total, o “Mina ou Vaga?” acumularia mais de 100 mil respostas, o maior da história da comunidade.

Comunidade da Fuvest no Orkut

“Era uma ideia tão absurda que chegava a ser engraçada. Foi ótimo porque todo mundo passou a conversar para desestressar”, conta o analista de inteligência Fernando Reis, 32, um dos participantes.

Dezenas de amizades –e alguns namoros– sairiam dali em vários grupos diferentes. Fernando mantém algumas delas até hoje.

“Eu conheci pessoas diferentes, com planos de vidas diferentes, classes sociais diferentes, mas ali, naquela comunidade, naquele momento, todo mundo estava no mesmo barco. Foi muito interessante fazer parte disso”, conta Fernando, que se classifica como um adolescente solitário –o Orkut ajudou muito nesse papel de socialização.

Outro rol de amizades do mesmo tópico uniu as inseparáveis Vanessa Oliveira, 33, e Beatriz Almeida, 29. As duas se veem com frequência e apoiam sempre uma a outra.  

“Eu nem lembro como a gente se conheceu, eu falava mais com outras pessoas, sei que um dia teve um Orkonto do tópico e nós duas estávamos lá”, diz Vanessa.

Orkontro eram os encontros pessoais organizados por membros de uma determinada comunidade do Orkut.

Ela se considerava viciada na rede social. “No começo eu não entendi muito bem o Orkut. ‘Ah é isso!?!? Todo esse frenesi por causa desse negócio!?!?!’”.

Com o tempo, no entanto, passou a ficar o dia inteiro por lá. “Eu era viciada em entrar comunidades, eu passava tardes inteiras fuçando para ver se achava comunidades novas, e para mim quanto mais sem noção, melhor”

O primeiro encontro entre Beatriz Almeida, 29, e Vanessa Oliveira, 33, há 11 anos

ORKUT COMO NASCEDOURO DOS MEMES

Se Vanessa Oliveira era viciada em entrar em comunidades, o produtor de conteúdo Bruno Predolin, 31, era viciado em criar comunidades. No total foram 715, algumas delas clássicas, como “Nos EUA, até pobre fala inglês”, “Onde você tá? Tô chegando!”, “Tô com preguiça de digitar”, “Finjo que tô dormindo”, dentre outras.

“O Orkut era uma escapatória de ideias criativas que eu tinha, eu dormia com um bloquinho do lado da cama para anotar ideias que possivelmente vinham de noite, enquanto dormia, eu deixava tudo anotadinho e criava no dia seguinte”.

Como Bruno ficou um pouco envergonhado de criar as comunidades absurdas com seu perfil verdadeiro, criou um fake, o B!. As comunidades tinham um potencial viral alto porque dava para relacionar até nove na parte destinada a elas, o que ia gerando uma espiral de links.

Ele era amigo pessoal de Maurício Cid, que ficaria conhecido na internet como Cid, do Não Salvo. “Eu falei pra ele criar comunidades com o C!, para a gente fazer uma competição, fingir que se odiava. Enfim, foi um sucesso também. Naquela época não existia o termo influenciadores digitais, mas com certeza nós dois seríamos hoje em dia”.

Muitos memes nasceram no Orkut. O jornalista Juliano Barreto lembra de quando os brasileiros fizeram campanha para ter a maior comunidade do mundo, que pertencia aos americanos. Em poucos dias, a missão foi bem sucedida. Como não pensar em “Please Come To Brazil”?

O brasileiro viu no Orkut, uma ferramenta que podia ser moldada ao seu próprio gosto. “Ela foi “hackeada” pelos brasileiros, que criaram comunidades como “groucho-marxistas”, “pensei que era sorvete e era feijão” e tantas milhares de outras que serviam como piada, mas também como forma de expressão”, explica o professor André Deak.

Essa forma de expressão própria influenciou inclusive a escrita da rede, o “orkutês”. “A partir do Orkut as pessoas passam a ter uma dimensão da sua atuação na internet, e a escrita aparece mesclada entre o internetês e uma escrita formal, assim como os perfis estavam mesclados entre os reais e os fakes”, afirma o historiador Pedro Eurico Rodrigues, do canal Tempografia, cuja pesquisa em seu mestrado foi: “Do online para offline: sociabilidades e cultura escrita proporcionadas pela internet no Brasil de 2001 a 2010“

ORKUT COMO EXPRESSÃO

Esse universo fake a que se refere o historiador foi, de fato, muito presente na rede social. Como já vimos, um perfil fake criou o tópico na Fuvest que viralizou e um outro de nome B! foi responsável por inúmeras comunidades famosas da plataforma.

Os perfis fakes existiam para falar de variados assuntos como sexo ou bandas. Ou eram simplesmente uma forma de libertação e experimentação de fantasia.

O mineiro Lucas Eduardo, de 21 anos, viveu dentro do universo dos fakes por muito tempo, a partir dos 12 anos. “No mundo fake em que eu vivia, existia motel fake, balada fake, sorveteria fake, e a gente simulava que os nossos perfis fakes interagiam com outros perfis fakes nesses espaços. Criávamos histórias em cima disso, era muito divertido”.

Ele conversa com algumas dessas pessoas até hoje, uma vez que eles saíram do mundo “on”, da fantasia, e migraram para o mundo “off”, da realidade.

“Isso implica em que eu sou hoje, é uma coisa louca, de construção, de conhecer o lugar do outro, sem se preocupar com quem a pessoa é de verdade. A gente vivia num mundo superficial, de imagens, que não era a nossa realidade, mas era legal lidar com outra pessoa sem saber quem ela era”, diz.

ORKUT COMO LISTA TELEFÔNICA

Se o Orkut permitia que você fosse atrás de uma pessoa se gostasse do perfil dela, como vimos nas histórias amorosas, ele também permitiu um outro tipo de encontro: o reencontro.

A paulista Viviane Nunes, 51, de Mairiporã, reviu, graças ao Orkut, seus amigos de escola da década de 80.

“O encontro foi na própria escola, foi algo emocionante. Recentemente, soubemos que o colégio fechou. Era um colégio fazenda, com coelhos, avestruz, sem grades. Estudávamos ao ar livre, junto às aves. Foi muito bom lembrar de tudo isso”, conta.

Reencontro de Viviane Nunes, 51, e seus amigos

O mesmo aconteceu com a aposentada Maria Gertrudes Amgarten, 55. Ela e uma amiga eram inseparáveis na faculdade de publicidade em Campinas (SP), nos anos 80. Viram-se pela última vez no casamento da amiga, em São José dos Campos (SP), em 1988.

Muitos anos se passaram, elas perderam o telefone uma da outra, até que veio o Orkut. Maria Gertrudes pediu para a filha procurar pela amiga. Não achou, mas encontrou a filha, da qual se recordava o nome inteiro.

“Desde então mantemos contato por WhatsApp e Facebook. Soube da história dela, uma vida atribulada, o casamento não deu certo, parou de trabalhar por um tempo, enfim, uma série de problemas. Foi muito bom retomar esse contato, botar o papo em dia, lembrar os tempos antigos, falar dos filhos”, completa. Elas nunca mais se viram, mas isso está nos planos.

O ORKUT CHEGA AO FIM

Nem só de coisas boas viveu o Orkut. Muitas comunidades eram usadas apenas para fazer download ilegal de filmes, livros e séries. O discurso de ódio, tão presente atualmente, já estava presente por lá, embora em menor grau. Houve casos de pornografia infantil.

Os textos apócrifos, hoje correntes de WhatsApp, também eram comuns por lá. Quem nunca leu um texto de autoria do Pedro Bial, do Jô Soares ou do Luis Fernando Veríssimo sem saber se de fato eles eram os autores?

Em geral, porém, a rede foi um sucesso de audiência, principalmente no Brasil. Por que ela morreu?

Não há uma resposta única, mas alguns fatores que contribuíram.

“Eu acho que eles perderam a mão. A rede social começou como uma coisa muito enxuta, muito bacana, e aí foi adicionando novas funcionalidades e ficou ruim. O que acontece com toda rede social”, define o analista de inteligência Fernando Reis.

Em meados de 2008, o Orkut passou a ser tão popular no Brasil, enquanto perdia força nos EUA, que o Google mudou a sede de sua operação da Califórnia para São Paulo.

“Não decolou nos EUA porque não teve investimento ou não teve investimento porque não teve sucesso nos EUA? É difícil explicar, é como a história do ovo ou da galinha”, questiona Juliano Barreto.  

A chegada do Facebook seria outro fator, lembra o professor André Deak. A rede de Mark Zuckerberg começou a deslanchar no Brasil no início de 2011, período que coincide com a decadência do Orkut.

Em 30 de junho de 2014, o Google anunciou o fim do Orkut. Três meses depois, a rede social foi extinta, mas o Google criou um museu de comunidades, com mais de 1 bilhão de mensagens trocadas em 120 milhões de tópicos de discussão de cerca de 51 milhões de comunidades.

As informações armazenadas pelos usuários ficaram disponíveis para download pela ferramenta Google Takeout até 30 setembro de 2016. Desde então, os arquivos do Orkut foram excluídos e atualmente não é possível mais visualizar os tópicos arquivados

Resta apenas a saudade dos viúvos do Orkut. “Fui uma das últimas a abandonar a rede, quando quase ninguém usava. Para mim ele supera o Facebook em tudo. Até hoje aguardo uma nova rede social nos moldes do Orkut”, diz, nostálgica, Vanessa Oliveira.

Seu criador, Orkut Büyükkökten bem que tentou, em 2016. Ele criou a Hello, com objetivo de resgatar a proposta do Orkut. No final de 2018, ele comemorou um milhão de usuários. Ainda assim, o trio de Mark Zuckerberg (Facebook, WhatsApp e Instagram) lidera soberano o mercado.

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