Grupo de WhatsApp ajuda passageiros em ‘sofrimento diário’ em ônibus no Rio

“Acreditem! Esse grupo vai mudar a rotina de vocês”. Essa é promessa na primeira mensagem de um grupo de WhatsApp criado nesta quinta (30) e que já conta com mais de 60 pessoas. O grupo em questão é o terceiro para dar dicas e avisos sobre a linha 693 de ônibus, no Rio, que liga o Méier (zona norte) à Barra da Tijuca (zona oeste).

A comunidade crescente é composta em sua maioria por passageiros que usam a linha expressa com frequência. “Hoje você ajuda, amanhã você é ajudado”, diz Marcelo Cardoso, 45, um dos 12 administradores.

O funcionário de uma loja de roupas no BarraShopping conta que o primeiro grupo foi criado há três anos como uma brincadeira, mas também como uma ferramenta colaborativa. O segundo veio em novembro de 2018. Ambos estão com 256 números registrados —sendo 12 deles administradores. É possível dizer que funcionam como uma mistura de Waze, indicando a rota e eventuais problemas no trajeto, com o Moovit, aplicativo que mostra rota e deslocamentos de ônibus.

Mas as mensagens constantes e abundantes é que dão o toque especial. Por volta das 5h30 ele começa a ser abastecido e segue ativo até 23h30 —basicamente os horários de operação da linha.  

A Folha acompanhou a movimentação de dois dos grupos por mais de 24 horas de quinta (30) para sexta (31). Em algumas horas sem visualizar você pode acumular mais de 400 mensagens não lidas. “Chegou a uma proporção tão grande que começou a ter gente querendo entrar e não tinha vaga. Daí tive a ideia de abrir outros grupos”, conta Marcelo.

É praticamente um lance a lance de cada ônibus em que há um passageiro, narrando os pontos pelos quais está passando, se o ar-condicionado está funcionando, se há congestionamento e até a velocidade com que o motorista conduz o veículo: “Motorista tartaruga. A essa hora é tenso”, diz um usuário às 7h28 desta quinta (30). “Viagem tranquila, todos os sentados e trânsito bom. Uma maravilha”, compartilha outro às 15h30 desta sexta (31).

Os grupos ganharam mais exposição após um post no Twitter de um amigo de uma usuária. Felipe Fagundes tuitou na quarta-feira (29): “Minha roommate acabou de me apresentar o conceito de GRUPO DE WHATSAPP DO ÔNIBUS”, disse ele na rede social, descrevendo o funcionamento básico da comunidade e logo viralizando nas redes.

Quem apresentou a ele foi Lourrane Ribeiro, 26. A estudante de administração da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) conta que usa diariamente a linha 693 expressa para ir do Engenho Novo (zona norte), onde mora, até um colégio na Barra da Tijuca, onde trabalha na área de eventos. “Eu acordo e já vejo se perdi ou vou perder o ônibus”, diz a jovem que participa há cerca de quatro meses.

Lourrane soube do grupo por acaso, conta. “Estava no ponto um dia e um menino que eu nunca tinha visto na vida avisou que o ônibus estava chegando e eu perguntei: ‘Como você sabe?’. A resposta dele foi que “avisaram no grupo” e, na sequência, pediu para incluírem o número dela.

Devido à grande quantidade de mensagens, ela conta que o mantém no modo silencioso. “Eu abro quando preciso. Quando estou no ônibus eu também ajudo e vou avisando”, diz a jovem. “Eu acho muito maneiro, porque a pessoa não ganha nada para informar.”

O administrador Marcelo ressalta que há uma regra: quem não participa é excluído. Isso chegou para ajudar o passageiro, resolver problemas. Segundo ele, um dos piores é a irregularidade de horários. “Você chega ao ponto, não sabe se vai passar ônibus, se já passou”. A condição de alguns veículos também é apontada: “É ônibus velho, sem ar-condicionado, janela lacrada, goteira. Imagine um calor de 40ºC e a janela lacrada”.

O grupo ainda serve, diz ele, como uma forma de os usuários extravasarem o sofrimento diário que passam no transporte público. 

As empresas Transurb e Redentor, que fazem a operação da linha, foram contatadas, mas não responderam.

A interação acaba gerando amizades e até romances. Marcelo conta que uma vez por mês tentam fazer uma confraternização em um bar para as pessoas se conhecerem.

Uma das passageiras, inclusive, conheceu o marido pelo WhatsApp. Priscilla Bradley, 33, usou a linha 693 durante o período de 2014 a 2018 para se deslocar do Engenho de Dentro para a Barra da Tijuca, onde trabalhava em uma agência de publicidade. Esse era o mesmo trajeto que fazia Lucas Gonçalves, 28.

Eles se encontraram pela primeira vez em março de 2017 em um bar. Entre o primeiro beijo e o casamento foi um ano e meio. O ensaio pré-boda foi dentro do ônibus. O convite, um Bilhete Único.

Foi um beijo que mudou a minha vida. Um momento único. Pensei ‘quero essa pessoa para mim’”, relembra Priscilla, que já não é usuária do 693 desde janeiro de 2018, quando sua empresa se mudou para o bairro da Glória (zona sul).

O casal mora junto desde agosto de 2018 e, nos planos, já está um filho. “Falamos sobre ele sem nem estar na minha barriga.” 

Leia mais sobre essa história de amor no blog Enfim Sós.