Termo internauta está morrendo, mas não tem um substituto à altura

Em 12 de março de 1989, o cientista inglês Tim Berners-Lee e o cientista belga Robert Cailliau criavam o www (World Wide Web) nos laboratórios do Cern (Organização Europeia de Pesquisa Nuclear), na Suíça.

Eles inventaram um protocolo —uma série de regras— para que programas de computador, os navegadores, pudessem acessar informações organizadas em páginas, ou websites.

Depois, inventaram o http, escreveram a linguagem HTML e criaram os primeiros servidores.

O primeiro site da história continua no ar e é uma espécie de metasite com detalhes do projeto revolucionário do Cern que inventou a web.

O acesso a ele só se tornaria público, no entanto, mais de dois anos depois: em 23 de agosto de 1991.

É comum a confusão entre internet e www, que não são a mesma coisa. Sistema global de comunicação de dados, a internet remonta à década de 1960 e tem o www como um de seus serviços.

Atualmente, cerca 4 bilhões de pessoas usam a internet no mundo, o que representa mais da metade da população mundial. Os dados são da UIT, agência da ONU para informação e comunicação.

Foi com o www que a internet se popularizou de vez e pariu uma palavra conhecida por todos que viveram os anos 90: internauta, pessoa que usa a rede — o dia do internauta é comemorado nesta sexta (23), em homenagem ao nascimento do website pioneiro.

Debruçando um pouco sobre a etimologia do termo, o sufixo “nauta” tem origem do grego, “naútés”, que se refere a marinheiro, marujo. Unindo o “nauta” ao “inter” de internet criou-se “internauta” —quem navega a web.

Fazia muito sentido, então, chamar alguém de internauta, afinal, era algo totalmente novo e a pessoa se deslocava para uma atividade específica: o uso da internet por meio da web.

Era preciso ligar o computador, o que levava um tempo, conectar a internet discada, o que levava um tempo ainda maior, e carregar página por página, sempre lentamente.

O conteúdo acessado era, de forma geral, de curiosidade. Aficionados pela Segunda Guerra Mundial, por exemplo, encontravam páginas de outros aficionados e mergulhavam na leitura daquele assunto.

O primeiro embrião de redes sociais surge em 1994, com o Geocities, em que os sites eram agrupados em “cidades”, conforme o tema tratado.

No Brasil, em 1996 entra no ar o UOL, que tem participação acionária minoritária da Folha, e o bate-papo do UOL vira uma febre entre os internautas brasileiros.

Por anos, convivemos bem com o termo internauta.

Mas já faz algum tempo que ele se tornou um tanto estranho aos nossos ouvidos. E isso tem a ver com a própria evolução da tecnologia.

Os novos smartphones e aplicativos usam uma outra arquitetura e ecossistema. Spotify, Instagram e Uber foram criados a partir de uma lógica bastante diferente da das páginas da web.

Mais importante, contudo, é a penetração que a hiperconectividade representa no nosso dia a dia. Do nascer ao pôr do sol e, em alguns casos, até durante o sono, usamos a internet para tudo. Na smarTV, no PlayStation 4, na academia, no carro, no trabalho, para falar com nossos pais, enfim, em absolutamente tudo.

Com isso, a palavra internauta, que designava alguém que tinha o objetivo específico de acessar a internet, perde um pouco o sentido.

“Hoje não mais ‘navegamos’ nas ambiências digitais, hoje atuamos, comunicamos e interagimos nas diferentes possibilidades de rede. Com isso, dou preferência ao uso de termos como ‘público conectado’ ou ‘audiência conectada’ que refletem melhor nossa atuação nas redes e, mais ainda, refletem a consolidação do digital como um elemento de presença destacada na sociedade”, afirma Elizabeth Saad, professora da ECA-USP e pesquisadora de estratégias e desenvolvimento de novas linguagens para conteúdo digital.

Para usar uma metáfora, não dizemos que somos “respirantes” porque respiramos.

É por isso que, nas redes sociais da Folhaquando aparece alguma chamada com “Internautas dizem…“, com frequência algum seguidor responde: “A Folha parece minha avó falando internautas kkk”.

Ou dá uma sonora bronca.

O que leva a um novo dilema: que palavra usar no lugar?

“Por mais jurássico que seja, o termo está aí e deve ser usado (até porque não temos nada diretamente melhor que isso). A internet democratiza o discurso, então não faz sentido descartar algo tão icônico em toda a história digital, ainda mais quando se dá pra fazer bastante memes brincando com a galera mais antiga”, diz Juny Santana, organizador do MemeAwards, premiação de memes da internet.

Faltam sinônimos que sejam tão abrangentes ou acessíveis. Surfista, navegante, leitor, consumidor, usuário, seguidor, todas são imprecisas em algum grau.

Usuário até é usado para nos referimos a quem usa determinada rede social —usuários de Facebook, Instagram, Twitter, etc— mas também não dá conta da totalidade das pessoas conectadas.

As sugestões da professora da USP são boas e fazem sentido, mas não encaixam nos títulos jornalísticos.

Há ainda o aspecto geracional. Pessoas com 25 anos ou mais vivenciaram a fase inicial da internet e são mais apegadas ao termo. O mesmo não acontece com quem nasceu no século 21.

“Eu já nasci em uma geração que não usava mais a palavra “internauta”. E ela soa um pouco estranho para mim, já que não escuto ninguém usando ela. Na minha opinião, algumas palavras mudaram ou perderam o uso com o tempo. Já não faz mais sentido separar pessoas que são “internautas” das que não são, até porque é muito difícil encontrar alguém hoje que não acessa a internet”, diz a influenciadora mirim Dudinha Yamazaki.

Prova disso são as análises de busca do Google. Comparando “internauta” com “YouTuber” nos últimos 12 meses, por exemplo, vemos uma diferença acachapante.

Pensando nesse paradoxo, o #Hashtag propôs a pesquisadores, especialistas e influenciadores a seguinte reflexão: “Ainda faz sentido usarmos a palavra ‘internauta’ em 2019? Por quê?“.

Confira, a seguir, o resultado do “Tendências e Debates” do #Hash.

Spoiler: a maioria não vê mais sentido. A palavra internauta está na UTI.

NÃO

Nem a palavra internauta nem a palavra internet fazem mais sentido. A internet está se fragmentando em redes compartimentadas e por conta disso a ideia de “internauta” – pessoa que navega por toda a rede – é cada vez mais uma utopia que uma realidade atual. 

Ronaldo Lemos, advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro e colunista da Folha

Considerando que no Brasil temos mais smartphones ativos do que brasileiros e, em tese, todos os brasileiros são internautas o termo perde um pouco o sentido. Seria como chamar de humanos, pessoas, homo sapiens, não tem sentido nomear pessoas iguais de forma diferente. Não temos costume de nomear na mídia espectadores de TV de forma distinta do restante da população, porque nomeamos usuários de internet?

Edney Souza, diretor acadêmico na Digital House Brasil e organizador da Social Media Week São Paulo

Não tem mais sentido essa palavra. Quando surgiu esse termo, a gente ainda dizia que o internauta estava no ciberespaço, e nem ciberespaço faz mais sentido, nessa vida 24h/7, totalmente conectados. 

Pollyana Ferrari, professora e pesquisadora em Comunicação Digital da PUC-SP

Internauta é uma palavra que parece tratar de um alienígena, algo de outro planeta. E por um período realmente foi assim, quem mexia com tecnologia e internet estava em outra sintonia mas hoje, com celulares e aplicativos na mão de todos é difícil não enxergar o internauta como o nosso próprio ser atual. Somos todos nerds de alguma maneira.

Cid, do blog Não Salvo

O termo internauta se tornou obsoleto quando a internet deixou de ser um “evento” em nossas vidas e se tornou algo presente em nossa rotina. Em 2019, não falamos mais “internautas” para denominar as pessoas que estão na internet, pois quem está nesse ambiente, não precisa mais ser chamado de algo. Na minha opinião, só designamos uma nomenclatura específica quando citamos “usuários”, de uma rede social específica ou de algum site ou app.

Nathalie Abrahão Córdova, especialista em redes sociais

SIM

Por mais jurássico que seja, o termo está aí e deve ser usado (até porque não temos nada diretamente melhor que isso). A internet democratiza o discurso, então não faz sentido descartar algo tão icônico em toda a história digital, ainda mais quando se dá pra fazer bastante memes brincando com a galera mais antiga.

Juny Santana, organizador do MemeAwards, premiação de memes da internet

A palavra ‘internauta’ está relacionada à geração dos millennials pois está atrelada ao ato de “entrar na internet” algo que não faz parte da realidade da geração atual que nasceu com o smartphone nas mãos e desconhece o universo desconectado ou da conexão discada. O astronauta navegante do espaço da world wide web está no contexto de quem passou pela fita cassete, pelo CD, pelo pendrive e agora se adaptou ao bluetooth e ao streaming. Portanto, sim, faz sentido a utilização da palavra ‘internauta’ em 2019, pois a internet é feita por e para pessoas e a mistura geracional nesse espaço o torna mais diverso e curioso.

Tamara Demuner, mestra em tecnologias da inteligência e design digital