Blogueira de baixa renda faz sucesso ao mostrar rotina com boletos a pagar

O sofá da casa é de terceira mão. Uma vizinha, que ganhou o móvel da patroa, estava prestes a jogá-lo no lixo depois de um certo tempo de uso quando Nathaly Dias, 26, o resgatou. Antes disso –e por um bom tempo–, ela e o namorado, Guilherme Brainer, 30, não tinham um único móvel na sala da casa alugada em que moram no Morro do Banco, no Itanhangá, zona oeste do Rio de Janeiro.

Divertida, despojada, órfã de pai, criada pela mãe, uma paraibana analfabeta funcional que trabalha como empregada doméstica, Nathaly é a Blogueira de Baixa Renda no Instagram e YouTube. O que começou sem pretensão, há cerca de um ano, virou sua ferramenta de trabalho, o sustento da casa e lhe deu uma nova profissão.

“Sou criadora de conteúdo digital”, diz, rechaçando o termo influenciadora digital. “Tenho um ranço dessa palavra, influenciadora. Porque todo mundo quer ser isso. E é muito louco porque você não escolhe ser isso. E não basta você querer, né? Isso é uma coisa que acontece de uma pessoa achar, de fato, que você está influenciando ela. Mas você não pode você mesmo se dizer influenciadora digital. Acho meio bizarro.”

De início, o nome escolhido para as redes sociais não foi do gosto do namorado, que participa de todas as suas empreitadas –como aprender a fazer bolo e brigadeiro com tutoriais no YouTube para vender na rua e complementar o orçamento. Mas ficou mesmo assim. Hoje, Guilherme é o Marido de Baixa Renda, e o cachorro do casal, que também tem perfil próprio no Instagram, virou o Zeca de Baixa Renda.

Como blogueiras famosas que ostentam luxo e mimos para milhões de seguidores, Nathaly divide seu cotidiano, sem presentes caros e ostentação, e que inclui interromper uma publicação no Instagram Stories após ouvir um tiro na calada da noite, com quase 80 mil fãs no Instagram –no YouTube, os inscritos no seu canal já passam de 100 mil. “Vamos dormir no outro quarto”, disse Nathaly ao namorado antes de encerrar a gravação em tom apreensivo.

Ela costuma mostrar dicas domésticas, além de aparecer conversando com seguidores enquanto lava o banheiro com canelas e panelas (o balde estava furado), prepara o café da manhã ou escolhe o que vestir no guarda-roupa improvisado em caixas de papelão ao pé da cama já que o casal ainda não conseguiu comprar o móvel. Um dos seus primeiros virais foi quando se chocou com um pano de prato vendido numa loja de shopping por R$ 50,00.

“Se tem uma coisa que o baixa renda não pode reclamar é da falta de emoção na vida. Só a gente sabe a alegria de correr atravessando entre os carros pra pegar o ônibus lotado as 7 da manhã. A felicidade de pagar a última conta do mês mesmo que não sobre nada pra gastar depois. A satisfação de conseguir colocar um Danone nas compras de supermercado. Acordar pra vencer todos os dias pro pobre não é fácil, mas seguimos lutando com todas as forças para conquistar o mínimo que deveria ser direito de todos.”

Agora blogueira em ascensão, Nathaly acredita que a maior parte do seu público a acompanha por se identificar com seu conteúdo e suas dicas –bem mais palpáveis e acessíveis que o que esbanjam as celebridades das redes sociais em hotéis caros, belas paisagens e entre um voo e outro. “Tour em mansão eu nem tenho vontade de assistir, mas o seu tour eu assisti ao vídeo todo até o final”, elogiou um internauta quando Nathaly mostrou o interior da sua casa.

Nathaly trabalhava como estagiária financeira de uma marca de cosméticos quando fez suas primeiras publicações no Stories, que atingiu apenas a sua rede de amigos. “Aí eu pedi pra minha mãe um cartão de crédito para parcelar um celular um pouquinho menos pior porque eu queria muito criar um blog, alguma coisa. Dividimos um Galaxy S7 em 12 vezes que eu estava pagando até ontem praticamente.”

Um dia, indicada e repostada por amigos, Nathaly foi parar na tela do celular de Bia Granja, criadora do youPIX, evento que reúne criadores de conteúdo digital, especialistas e profissionais de diferentes empresas.

“Ela viu meus vídeos e me me convidou para dar uma palestra no evento dela, no ano passado. Eu abri o palco do Creator Talks. Era mais ou menos uma entrevista, em que eu me apresentava e tal”, relembra. Tinha ainda cerca de 3 mil seguidores no Instagram, mas foi a aposta de um banco que gostou do que viu e a contratou para fazer publicidade de um produto nas redes sociais.

“Foi quando eu comecei a postar coisas que eu fazia na minha vida. Tinha acabado de me mudar pra uma casinha aqui no morro um pouquinho melhor da que eu morava antes com a minha mãe. As pessoas começaram a me falar que não sabiam que na favela tinha casinhas tão bonitinhas. Pensei, ‘nossa, as pessoas acham que favela é o que? Só barraco?’ Até mesmo alguns amigos pessoais que nunca vieram numa favela não sabiam como era. E isso começou a despertar curiosidade nas pessoas.”

Graças às publicidades que continuaram surgindo, Nathaly largou o estágio para se dedicar ao novo trabalho. Guilherme, o namorado, também fez o mesmo. Juntos, eles filmam e editam todos os vídeos, que têm até bordão e vinheta de abertura. Seus seguidores incluem famosos como as apresentadoras Ana Furtado e Ana Paula Padrão. E Nathaly é frequentemente comparada com outro fenômeno das redes sociais, Julia Tolezano, do canal no YouTube Jout Jout Prazer.

Recentemente, começaram as surgir os primeiros “haters” –a maioria duvidando da sua condição financeira. “Tem uns comentários do tipo ‘você não é baixa renda, olha a casa que você mora, eu que sou’. As pessoas ficam comparando pobreza. E eu sempre falei que no dia que eu não for mais baixa renda, vai ser uma vitória pra todo mundo. E eu serei a primeira a falar que não sou mais baixa renda.”

A fama de Nathaly também subiu o morro, e agora ela é reconhecida e ouvida pelos moradores do local. “Eu já sou meio que uma subcelebridade do morro, é muito engraçado”, diz. “As pessoas aqui adoram. Agora, até uma liderança aqui do morro que tudo que vai fazer vem falar comigo antes porque acha que eu engajo mais as pessoas.”

Nos seus próximos videos, Nathaly pretende ensinar educação financeira –ela afirma que, com o dinheiro que já ganhou, conseguiu planejar todo o ano de 2020 para pagar as contas básicas, como aluguel e luz– e dicas de beleza com os produtos que compra em promoção de supermercado. “Eu sempre soube que eu seria meio que uma voz. E eu sempre tive vontade de fazer algo diferente na minha vida. Nunca aceitei só o que eu tinha. Sempre pensava: ‘eu quero mais, eu posso mais’.”