Threads de influenciador saem do Twitter e viram livro sobre histórias do povo negro
Só quem já fez uma boa thread (um fio com uma sequência de vários tuítes) no Twitter sabe o trabalho que dá. É preciso gastar horas de pesquisa, montar o roteiro, escrever e editar os textos em 280 caracteres cada, escolher as imagens e, por fim, publicar. Pode levar horas ou mesmo dias.
As threads, surgidas no final de 2017, começavam então a conquistar o público por permitir criar narrativas maiores no Twitter, plataforma que sempre foi conhecida pelo espaço reduzido para o texto (inicialmente eram apenas 140 caracteres em cada tuíte, padrão que dobrou também no final de 2017).
Uma thread bem feita tem um poder de viralização bastante grande na rede social. O pesquisador e influenciador digital Ale Santos (@Savagefiction), 33, sabe bem disso.
Em maio do ano passado, sem grandes pretensões, Ale começou a publicar algumas threads sobre heróis e heroínas pouco conhecidos do povo negro. Foram um sucesso retumbante. Já em sua terceira, sobre Leopoldo, o rei do Congo, responsável pelo Holocausto no país, alcançou mais de um milhão de pessoas.
“Foram quatro dias de notificações intermitentes. Ali eu percebi o poder que a thread tinha para construir uma narrativa. E comecei a contar mais histórias, algumas que eu já sabia, outras que eu fui pesquisando e brincando mais com o formato”, conta Ale Santos. “Eu tento emocionar as pessoas com minhas threads”, acrescenta.
Conforme elas foram crescendo em repercussão, Ale passou a dedicar mais tempo e energia nas threads. “Tem uma que estou há 2 meses e ainda não encontrei fontes para compor uma narrativa mais dramática”.
Quase um ano e meio depois do início, as threads vão sair do mundo cibernético para o mundo da literatura. Ale Santos está lançando o livro “Rastros de Resistência” (Ed. Panda Books, R$ 42,90), que reúne 20 histórias sobre heróis e heroínas do povo negro e pretende apresentar ao público fatos e personagens que foram apagados e silenciados ao longo dos 519 anos de história brasileira.
Estão nessa lista: Benedito Meia-Légua e Dragão do Mar, no Nordeste brasileiro; Chico Rei, em Minas Gerais; Benkos Biohó, na Colômbia e outros. Há o relato de mulheres que são hoje ícones do poder negro feminino, como Nanny, na Jamaica; María Remédios Del Valle, na Argentina; Zacimba, em Angola.
As threads tiveram que ser adaptadas para o mundo literário, um processo que incluiu revisão e pesquisa histórica, adequação de linguagem e ampliação e aprofundamento de conteúdo.
“Uma coisa é escrever no Twitter, que dá um ar maior de diversão, outra coisa é escrever literatura. Confrontei fontes, gráficos, tive que ler muito para compor a narrativa, em um processo que demorou uns quatro, cinco meses”, conta. Ale diz ter mantido a linguagem rápida, impactante e sem academicismo, como nas threads.
Cada conto tem um tamanho, que depende da narrativa, do ritmo da história e da intensidade dramática que a thread já apresentava.
Ale Santos trabalha com storytelling há dez anos. É grato ao Twitter, que está ajudando na divulgação do livro.
“O Twitter revolucionou minha carreira, me deu protagonismo e permitiu eu ter eu o reconhecimento que nunca tive”, diz.
O influenciador já faz planos futuros de enveredar pela ficção.
“Eu acredito muito na ficção, de levar discussões sérias, políticas, a partir do imaginário, eu quero contribuir com esse entretenimento”.
A THREAD PERFEITA
Qual é o segredo para uma boa thread? O #Hashtag perguntou para quem entende. Veja a dica de Ale Santos:
“O primeiro tuíte é o mais importante, é o que vai fazer a pessoa ler a sequência inteira. A imagem tem que ser impactante e causar uma provocação. O texto também é muito provocador, com elementos como ódio, amor, corrupção, e tento construir de uma maneira dramática. Na thread sobre o Massacre do Carandiru, por exemplo, coloquei um trecho de uma música dos Racionais, misturado com narrativa de jornais e fazendo uma citação. Isso já entra no imaginário da pessoa e ela sabe o que terá dali em diante”.
SOBRE O AUTOR
Pesquisador e mídia ativista de cultura afro-americana com formação em comunicação (publicidade e propaganda). Mantém uma coluna quinzenal na Vice Brasil, escreve para o site Muito Interessante. Em 2013, Ale representou o Brasil na The Tomorrow Project Anthology, com um conto de ficção científica. No mercado empresarial, atua como consultor de games, branded content e storytelling.