Debutante, Google Maps faz 15 anos como rei dos mapas e investe em serviço ‘all-inclusive’
Um adolescente de hoje não faz ideia da dificuldade que era se locomover por lugares desconhecidos antes da internet. Uma viagem para outra cidade era um deus nos acuda. Era preciso comprar um mapa de papel –que não era pequeno!– do estado ou do Brasil, se sua viagem fosse interestadual, e traçar a rota com bastante antecedência. Muitas vezes um amigo ou parente que já havia ido para o mesmo lugar dava referências de orientação.
O mesmo acontecia para trajetos dentro da cidade. Mapas municipais eram divididos em páginas –é possível que algum taxista antigo ainda use–, mas a sequência da página 16 às vezes era na 24. Uma confusão. Motoristas se perdiam a todo momento e a solução era pedir ajuda no boca a boca (e torcer para encontrar alguém com boa vontade e senso de direção).
A partir de 8 de fevereiro de 2005, tudo isso começaria a mudar.
Foi nessa data que o Google Maps foi lançado nos Estados Unidos. O serviço de mapa digital, inicialmente só para desktop, numa era pré-iPhone, revolucionou a relação do ser humano com o espaço para sempre.
Quatro meses depois, seria a vez do Google Earth, com imagens do planeta captadas por satélites que permitiam explorar, na frente do computador, praticamente qualquer canto do globo.
Os serviços foram sendo ampliados aos poucos. Em 2007, o Maps chegou ao Brasil. Mesmo ano em que a empresa americana lançaria o inovador –e polêmico– Street View.
Atualmente, com bilhões de dólares investidos nos últimos 15 anos, o Google é o rei dos mapas. O Maps é usado, mensalmente, por mais de um bilhão de pessoas. O Earth possui 93 milhões de quilômetros quadrados de imagens mapeados, uma área que abrange 98% da população mundial.
Para entender como a gigante de tecnologia americana abocanhou o mapeamento terrestre, é preciso voltar no tempo.
Uma história pouco conhecida envolve outra empresa de tecnologia dos EUA: a Microsoft de Bill Gates.
Ela criou no final dos anos 90 o primeiro mapa de satélite interativo de uso público do mundo, o Terraserver.
O objetivo inicial nem era criar um “Microsoft Earth”. A Microsoft queria desenvolver um grande banco de dados que garantisse o funcionamento de seus demais produtos.
“Foi algo que fizemos pra mostrar que nosso software era capaz, mas a empresa não dava a mínima para a informação. Pediram para trabalharmos em cima de um banco de dados enorme, para testar um produto de banco de dados de próxima geração”, disse Tom Barclay, responsável pela operação, em entrevista à Motherboard em 2015.
O produto funcionava bem, se pensarmos no ambiente digital dos anos 90. Alguns recursos eram inovadores, como a disposição dos mapas em mosaicos, essencial para fazer com que o redondo planeta Terra (que os terraplanistas não leiam esse texto) fosse reproduzido digitalmente.
Como ser uma plataforma de informações não era prioridade da Microsoft –o Terraserver, com 7 milhões de usuários, era um prato cheio para análise de comportamento de internautas– e a empresa passou a ser alvo da imprensa americana, que se preocupava com o potencial de invasão à privacidade do software, o produto ficou escanteado até ser encerrado em 2007.
O mercado de mapas digitais era, então, dominado pela Mapquest, lançado em 1996 como produto web (a empresa já existia desde 1967 com o nome de Cartographic Services e produzia mapas de rotas que eram distribuídos em postos americanos). No entanto, comparado ao Terraserver, era bastante rudimentar, basicamente um mapa de papel transposto para o site.
Em paralelo a isso, o Google engatinhava para virar gigante. Em 2004, fez o IPO (oferta pública de ações) na bolsa americana. No mesmo ano, comprou a Keyhole, nascida em Mountain View, mesmo berço da empresa de buscas. A Keyhole, de mapeamento digital, havia lançado seu “Earth Viewer” em 2003, usando –olhem só– o Terraserver como base de sua tecnologia. O Google transformaria o Earth Viewer em Google Earth.
Também em 2004, comprou a recém-fundada australiana Where2 Techonologies, startup de mapeamento digital com sede em Sydney. Os quatro fundadores (Noel Gordon, Lars Rasmussen, Jens Rasmussen e Stephen Ma) viraram Nooglers (como o Google chama seus novatos) e criaram um monstro chamado Google Maps, lançado no já mencionado 8 de fevereiro de 2005.
A partir daí, o Maps se tornaria o Maps.
Primeiro, e talvez mais importante, o Google lançou o “Google Maps API”, que permitia a desenvolvedores incorporar a ferramenta em suas páginas. Ou seja, milhões de sites mundo afora poderiam, com um clique, colocar a localização do endereço comercial, por exemplo.
As páginas locais, dentro do Maps, surgiriam em 2009, e possibilitariam que pequenas e médias empresas indicassem a localização no Maps. Digamos que você acabou de se mudar para uma metrópole como São Paulo. Não conhece nada do entorno. Uma rápida olhada no Maps consegue descobrir onde fica a lavanderia, salão de beleza, supermercado, bares, baladas, enfim, qualquer necessidade.
Dois anos antes, no entanto, seria o pontapé da revolução mencionada no início do texto. O Maps, apesar de certa preferência de Larry Page e Sergey Brin (fundadores do Google) pelo formato desktop, chegou ao celular, inicialmente para Blackberry e Palm. Em 2008, haveria a estreia do aplicativo para Android (o de iOS só quatro anos mais tarde, em 2012).
Foi a partir da década de 2010 que o mundo se tornou mobile first, na era dos smartphones multitarefas. Era tudo que o Maps precisava para virar metonímia de mapas –com empurrão do nome óbvio e direto ao ponto.
Novos recursos foram sendo lançados quase que anualmente. Muitos deles com impactos reais na mobilidade urbana, como as informações de trânsito em tempo real, em 2007. Começou com 30 cidades dos EUA e hoje abarca centenas de regiões pelo mundo. E não para de crescer –o Google promete, só em 2020, oferecer o serviço para mais 60 cidades brasileiras, como Recife, Salvador, Brasília, Fortaleza e Brasília.
Em 2008, as integrações com linhas de ônibus e metrô estrearam no Brasil, incluindo estimativas de tempo de trajeto. No ano seguinte, a navegação permitiria aos usuários contar com uma lista de rotas de direção pré-definida e uma navegação passo a passo, com uma voz narrando ao vivo –em 2012 um upgrade possibilitaria ao Maps usar dados de trânsito em tempo real para sugerir trajetos ao usuário.
Esse combo de novidades fez com que os deslocamentos nas médias e grandes cidades nunca mais fossem os mesmos.
Rivais surgiriam, como o israelense Waze, que virou referência de aplicativo para motoristas. O Google foi lá e comprou o rival. Dependente de 30 mil voluntários, ganhou participação no mercado de serviços de mapas nos últimos anos, mas ainda não tem a abrangência do agora parente Maps.
Nem tudo é perfeito. O Google Street View, que permite experiências imersivas, por exemplo, causaria uma série de problemas judiciais e econômicos à empresa por violação de privacidade. Isso porque os carros do Google com a câmera 360º flagariam cenas e momentos cujos personagens gostariam de permanecer anônimos.
Além da mobilidade, a evolução do Maps ao longo dos anos caminhou para torná-lo uma plataforma all-inclusive.
Em 2014, ficou mais fácil para os usuários fornecerem informações importantes como horas, classificações e preços de restaurantes, bares e hotéis.
O senso de comunidade fortaleceu-se em 2015 com o programa Local Guides, no qual o público se engaja para compartilhar fotos e avaliações de lugares.
A aposta nessas contribuições é um dos focos do Google Maps atualmente, se aproximando cada vez mais de uma rede social, ramo no qual o Google fracassou com o Google+, apesar de um relativo sucesso com Orkut. Na última quinta-feira (6), a empresa americana lançou uma nova versão do recurso que solicita avaliações e fotos de usuários dos lugares que eles visitam, buscando aumentar seus dados em uma área liderada por aplicativos locais como Zomato, TripAdvisor e Yelp.
O novo visual apresenta uma opção “contribua” em um menu na parte inferior do aplicativo do serviço.
A medida pode despertar a preocupação das concorrentes e de outras empresas que incentivaram investigações antitruste sobre se o Google usou indevidamente a liderança em ferramentas de pesquisa para popularizar soluções mais recentes, como a comparação de restaurantes.
Outro desejo do Maps passa pelo Live View, lançado em 2019. O sistema usa realidade aumentada para encontrar o caminho a pé. Sabe quando vocês sai do metrô em uma cidade desconhecida e não está entendendo se deve ir para direita ou esquerda? Basta apontar o celular para a região e o app identifica a direção a ser seguida. Nem todos os aparelhos suportam o Live View, quadro que deve mudar nos próximos anos com smartphones mais modernos no mercado.
“É só o começo [do uso de realidade aumentada]. [O objetivo] é entrar na realidade do dia a dia. É algo realmente útil”, diz André Kowaltowski, gerente de Maps para América Latina.
O Maps cada vez mais quer te prender no Maps. E é provável que este adolescente de 15 anos vire um adulto que ocupe ainda mais espaço na nossa vida. De cara nova, aliás. Esse é o novo logo do Maps.
O outro adolescente, Google Earth, ainda existe, mas perdeu espaço para o primo mais rico, que conta com Maps, versão satélite e Street View. O Earth chegou a ficar dois anos sem atualização, mas ganhou uma versão 3D imersiva em 2017 de cair o queixo.