Sucesso nas redes, Kaique Brito dubla Bolsonaro e sente ‘vergonha alheia’ por Regina Duarte
Em junho de 2019, o soteropolitano Kaique Brito, 15, resolveu dublar um áudio sobre “racismo reverso” que estava circulando na internet. O garoto, que já gostava de gravar vídeos curtos, postou a dublagem em seu perfil no Twitter e foi dormir. No dia seguinte, a publicação amanheceu com 10 mil curtidas.
Desde então, Kaique vem se destacando por fazer vídeos nos quais fala de questões políticas e sociais com humor. A edição certeira, o rosto cheio de expressões e a maturidade com que ironiza os assuntos chamou a atenção de celebridades na internet, como a apresentadora Maísa e o humorista Whindersson Nunes. Entre os políticos que aparecem em suas dublagens estão a família Bolsonaro e ministros do governo –o que começou a atrair a atenção de seguidores mais velhos do que os 15 anos do autor dos conteúdos.
Com mais de 180 mil seguidores no Twitter e outros 100 mil no Instagram e no TikTok, respectivamente, Kaique hoje se preocupa com que tipo de conteúdo vai direcionar para cada rede social. Possui haters –principalmente mais jovens, conta ele, que nem sempre entendem a ironia em suas postagens– e se preocupa em usar o alcance que tem agora para dar voz a todos. “Eu me sinto na obrigação de falar porque acredito que quem não se posiciona está sendo conivente”, diz em entrevista ao #Hashtag.
De onde surgiu a ideia de fazer vídeos ironizando políticos e levantando questões sociais?
Eu sempre gostei de gravar. Em 2015, com dez anos, já postava quase todos os dias no Musical.ly [aplicativo comprado pelo TikTok], e cheguei a ter uns 25 mil seguidores. Aí, no ano passado, uma amiga me mandou o vídeo de uma menina falando sobre racismo reverso que estava rodando na internet. Pensei: vou colocar no TikTok. A ideia era só gravar sobre a voz dela, falando mesmo, irônico. Só que eu fiz e achei meio sem graça, então tive a ideia de regravar colocando a nota de 10 reais na hora que a menina fala sobre “inverter valores”, essas coisas. Postei só no TikTok e nos meus stories do WhatsApp, para meus amigos verem. Então um outro amigo falou: posta no Twitter, isso vai dar certo. Mas eu não tava acreditando. Publiquei de noite, umas 19h, e no outro dia acordei e fui assistir a séries na TV, nem peguei o celular. Quando olhei, perto do meio-dia, vi várias notificações na tela. O vídeo estava com 10 mil “likes”. E depois disso só foi crescendo, as pessoas começaram a compartilhar.
Você se considera um adolescente politizado?
Eu sempre me preocupei com temas como racismo, machismo e homofobia. E acho que a política está muito interligada, porque os políticos estão falando sobre esses assuntos e de uma forma que eu não concordo. Então eu tento pesquisar bastante sobre, tento entender e ter visões diferentes para postar. Não falo 100% de política, e sim sobre questões sociais mesmo. Mas está tudo ligado. Aqui em casa moro com minha mãe e minha irmã, e sempre conversamos bastante sobre esses assuntos. Assistimos ao jornal juntos, estamos sempre conversando. E principalmente com meus amigos, estamos sempre conversando sobre racismo, sobre a Covid-19, sempre discutimos muito.
Tem gente que não entende a ironia nos vídeos que você publica?
No primeiro vídeo, do racismo reverso, muita gente ficou sem entender. Alguns acharam que eu estava concordando com o que a menina falou; diziam “meu Deus, que menino genial!”. Um perfil de apoiador do Bolsonaro compartilhou achando legal. Mas depois as pessoas começaram a entender que era ironia, e eu fui fazendo questão de deixar bem claro que os vídeos são uma crítica. Pelo meu conteúdo ser mais politizado e social, a maioria dos haters que eu tenho são adolescentes da minha idade que não gostam de falar desses assuntos. No Instagram, meus seguidores são adultos, bem mais velhos do que eu. É um público que vai dos 24 aos 35 anos. No Twitter, são um pouco mais jovens, de 18 a 24 anos. Já no TikTok são muito mais jovens, com certeza, então lá meu conteúdo é diferente. Posto mais transições, vídeos que agradam mais os adolescentes.
Você dublou o vídeo da campanha do MEC sobre o Enem, e fez questão de deixar claro que apoiava o adiamento da prova. Por quê?
Por empatia. Quem está sem acesso à internet, ou quem perdeu alguém da família nesse período da pandemia, eu duvido que esteja conseguindo estudar. E acho que todo mundo que estava no Twitter, que estava na internet pedindo “adia Enem” fez isso por empatia com os outros que não conseguiram reclamar. Eu acho que a maior parte da população não está conseguindo estudar a distância ou nem tem acesso à internet para isso, então… Se o Enem já é desigual por si só, imagina agora. É por empatia.
Seus seguidores pediram para você dublar a entrevista que Regina Duarte, então secretária da Cultura, deu à CNN. Por que achou melhor não fazer?
Os seguidores sabem que eu falo desses assuntos, eu já tinha dublado a Regina, então não critico por eles me pedirem. Mas depois eu fui assistir ao vídeo inteiro, porque eu só tinha visto uma partezinha, e senti muita vergonha alheia. Eu não consegui nem pensar em gravar aquilo. Ela menosprezou a ditadura, foi muito absurdo para mim. Foi tão absurdo que chegou ao ponto de eu não querer gravar. Se eu gravasse, as pessoas iriam rir. E não era algo para rir, era para chorar.
Você está ganhando dinheiro com a internet?
Na escola eu sempre fui bem em matemática, as pessoas até acham absurdo. Eu pensava em fazer engenharia, contabilidade, algo assim. Mas desde que entrei no TikTok, principalmente, fui me tornando muito mais de humanas, da linguagem. Então eu penso em fazer publicidade e propaganda, relações públicas… não sei exatamente, ainda. E trabalhar, mesmo, para ganhar dinheiro, só depois que eu fizer 16 anos. O que é esse ano, ainda, está pertinho!