É preciso falar de ciência nas redes para superar falhas na educação, diz paleontóloga

Pela segunda vez em julho, o blog #Hashtag  abre espaço para a campanha #CientistaTrabalhando, em que colunas e blogs de todo o país cedem seus espaços para cientistas no mês de julho para que eles abordem todo o processo científico, e não apenas os resultados.

Nesta sexta-feira (31), quem escreve é Aline Ghilardi, bióloga, paleontóloga, professora pela UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), e divulgadora científica pela rede “Colecionadores de Ossos

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Falar sobre ciência sempre foi necessário, mas agora talvez pareça um pouco mais urgente, pois, neste momento de pandemia, ficou escancarada a falha na educação científica da população. Quando espera-se da ciência respostas e a “salvação”, o cidadão, que não foi educado adequadamente para o pensamento científico, frustra-se com o excesso de racionalidade, com a demora do processo e com a ausência de respostas definitivas da ciência. A solução imediata é a divulgação científica, apesar de sabermos que a correção necessária é outra, mais na base.

A divulgação de ciência é uma área de saberes multidisciplinares, que não depende apenas do conhecimento dos métodos e processos científicos, mas também de uma boa habilidade de comunicação. Justamente por ser uma área híbrida, é comum que tanto cientistas quanto comunicadores sociais nela se envolvam. Independente de quem se proponha a fazê-la, a divulgação científica feita com responsabilidade deve envolver pelo menos um cientista no processo e, caso o próprio cientista seja aquele que se aventura em divulgar, ele deve estar muito atento aos conselhos dos profissionais de comunicação.

Um dos princípios básicos da comunicação é que, se quer se comunicar de maneira eficiente, você deve ir aonde o seu público está. Assim, a invasão das redes sociais pelos divulgadores de ciência (cientistas ou não) não poderia ser diferente. Uma grande parte da população, hoje, está ativa nesse tipo de plataforma e, convenhamos, é muito mais fácil ingressar em uma rede social do que em um canal de TV para falar sobre ciência.

Esse moderno movimento de divulgação científica nas mídias sociais veio quebrar paradigmas e cada novo espaço conquistado só reforça a sua importância. Um dos principais impactos têm sido a renovação na imagem dos cientistas. O estereótipo do homem velho branco de jaleco está gradativamente sendo substituído por uma diversidade muito maior de retratos. Os cientistas mais jovens, por exemplo, dominam as atividades de divulgação, enquanto uma grande quantidade de mulheres pesquisadoras têm se sentido estimuladas a aderir ao diálogo.

Outro ponto, é que as redes sociais oferecem muito mais possibilidades de interação com o público, o que amplia a efetividade da comunicação por torná-la mais pessoal. O rompimento da barreira da impessoalidade aumenta o envolvimento emocional do público com a informação e também com o comunicador. Este foi dos fatores que tornou as fake news e pseudociências tão populares e, agora, nós, divulgadores, temos usado as mesmas armas para espalhar o conhecimento científico.

Entre outros fatores positivos, está também a facilidade em se medir o alcance das suas ações. Isso pode ser rapidamente estimado pelo número de curtidas e compartilhamentos de postagens.

Mas nem tudo é um mar de rosas nas redes sociais. Ao se expor, o divulgador fica vulnerável a ataques de ódio e comentários de pessoas que desprezam o trabalho dos cientistas. Muitas vezes, o divulgador sofre ataques até mesmo dos próprios acadêmicos, que remoem todo tipo de insatisfação, desde aborrecimento pelo “excesso de simplificação” do conteúdo a sentimentos mais torpes, como inveja da popularidade. É uma tarefa árdua transmitir a informação corretamente, ao mesmo tempo em que se modera o diálogo com o público, por meio de técnicas de comunicação eficiente, e equilibra a relação com os pares.

Há muito o que se aprender sobre a divulgação científica nas redes. Elas evoluem muito rápido e o comportamento também. Os divulgadores muitas vezes erram tentando acertar, o que torna aparente a necessidade de uma formação específica na área ou uma consultoria, pelo menos. Os cientistas muitas vezes erram na linguagem, pois foram treinados a falar com os pares, não o público, enquanto os comunicadores erram com maior frequência no conteúdo, pois não têm a formação científica. A conclusão é que um lado tem muito o que aprender com o outro e que o trabalho conjunto só tem a somar. É incrível que a barreira de comunicação esteja sendo quebrada e que o conhecimento esteja sendo extravasado em torrentes da “Torre de Marfim”.

Percebemos como falar sobre ciência nas redes é importante. Ao ocupar progressivamente estes espaços, competimos e coibimos a propagação de desinformação. Além do mais, mostramos o que estamos produzindo e como como produzimos. Temos a possibilidade de atrair a atenção, o que pode trazer investimento, e, sobretudo, inspirar pessoas, convidando-as para o diálogo. Nessa batalha, todas as frentes de atuação são valiosas. Da comunicação institucional e das iniciativas independentes de divulgação, até a atuação dos próprios cientistas nas redes, com ações das mais criativas possíveis. A democratização do conhecimento científico é obrigação, é urgente, e é um dos pilares fundamentais da tal “salvação” tão esperada.

Concepção artística do primeiro dinossauro da Paraíba. Foto: Reprodução