Análise: TikTok banido nos EUA representará ruptura para redes sociais no Ocidente

As ameaças mais veladas de banir o aplicativo chinês TikTok feitas no começo de julho pelo presidente americano Donald Trump e pelo secretário de Estado americano Mike Pompeo ganharam ares mais dramáticos no final desta sexta-feira (31).

Ao embarcar em um Air Force One, Trump declarou a jornalistas presentes que “no que diz respeito ao TikTok, vamos proibi-lo nos Estados Unidos. Eu tenho autoridade”. O presidente afirmou que usaria poderes econômicos emergenciais ou uma ordem executiva –ambas prerrogativas dele– mas uma decisão desse porte seria um desafio legal no país bastião das liberdades desde os Founding Fathers (pais fundadores), portanto ainda está incerto como isso se daria na prática.

Para os EUA, o TikTok –um app de vídeos cômicos usados por jovens– ameaça a segurança nacional ao violar a privacidade de cidadãos americanos e repassar os dados a serviços de espionagem do regime chinês, o que o aplicativo nega fazer.

Especialistas consideram que o modus operandi do TikTok não é muito diferente do Facebook, Instagram, Twitter, Google e WhatsApp — vale lembrar que, entre outros escândalos, o Facebook já pagou terceirizados para ouvir e transcrever áudios de usuários do Messenger.

Além de possível paranoia trumpista, a ação vem num momento em que o republicano está atrás nas pesquisas e precisa de fatos novos para catapultar sua reeleição.

A pressão para que a operação do TikTok nos EUA seja vendida para uma empresa americana ganhou força também nesta sexta-feira, ao ser divulgado na imprensa local que Trump anunciaria um decreto para obrigar essa operação e que a Microsoft estaria em negociações avançadas, o que seria uma forma, talvez a única, de sobrevivência para o app em solo americano.

A proibição do TikTok escancará uma série de mudanças tecnológicas e geopolíticas. Os EUA vão se comportar exatamente como a China faz há décadas com as gigantes de tecnologia do mundo ocidental, que são proibidas pelo ditadura comunista. Um adolescente chinês não cresce com pesquisas no Google, mas no Baidu. Um universitário do país não usa o Twitter, mas o Weibo. Os tiozões chineses compartilham fake news no WeChat em vez de Facebook e WhatsApp.

A chinesa ByteDance, empresa por trás do TikTok, conseguiu feitos inéditos para uma rede social oriunda do país asiático. São mais de 800 milhões de usuários ativos pelo mundo o que o coloca no time dos grandes players nas redes sociais. O número de 315 milhões de downloads no primeiro trimestre de 2020 é um valor jamais obtido por outra plataforma.

Ou seja, quebrar essa expansão nesse momento irá sacramentar a existência de duas internets no mundo, a ocidental e a chinesa. A China continuará com os seus (e olha que já era um pouco assim, pois no país asiático o TikTok tem outro nome, Douyin) e nós com os nossos.

Para a ByteDance o golpe seria próximo a um nocaute, com um impacto bem maior do que o banimento do app na Índia em meio a uma disputa local entre chineses e indianos. O que os EUA fazem costumam ser replicado por outros países –basta ver que na disputa com a gigante chinesa Huawei pela rede 5G o Reino Unido seguiu o mesmo caminho e a proibiu. Não é difícil imaginar, então, o presidente Jair Bolsonaro anunciar que pretende também banir o aplicativo no Brasil, assim como outros líderes populistas pelo mundo.

Há o risco ainda de a civilização ocidental perder o bonde dos avanços tecnológicos. A ByteDance é especializada no desenvolvimento aprimorado de algoritmo com uso de inteligência artificial e o TikTok é um dos aplicativos mais revolucionários na capacidade de edição de vídeos com inúmeros recursos avançados em poucos cliques.

Seria como se nesta Guerra Fria do século 21 entre EUA e China os aplicativos ocidentais se transformassem na economia soviética pré-queda do Muro de Berlim: estagnados e obsoletos.

O impacto comportamental não poderia ser desprezado. Há uma geração de jovens americanos que passam horas no TikTok diariamente e tem ali a sua principal diversão diária num período de pandemia em que contatos sociais são cada vez mais raros. Não seria apenas um drama adolescente, mas um impacto psicológico profundo nesses seres em formação.

É como se no final dos anos 2000 o Orkut fosse proibido no Brasil –essa rede social formou uma legião de brasileiros que conheceram a internet por meio de suas comunidades clássicas, como a “Eu odeio Segunda-Feira”.

Um competidor como o TikTok obviamente preocupa as gigantes americanas, principalmente Mark Zuckerberg, do Facebook. Tanto que o Instagram, do qual também é dono, lançou em junho, ainda em testes, o Instagram Reels, com funcionalidades quase idênticas às do TikTok.

Caso o TikTok venha a ser proibido, Mark Zuckerberg terá motivos para respirar aliviado. Já os idealizadores da internet (Tim Berners-Lee e companhia) verão sua obra cada vez menos livre, democrática e plural.

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