De falhas técnicas a comentários ofensivos: como foi assistir à primeira edição do TEDxSãoPaulo no TikTok
Jéssica Nakamura
Quem me conhece sabe que eu sou, como se diz no dialeto das redes, “cachorrinha” de TED Talks –sempre que estou me sentindo para baixo, corro para o YouTube em busca de palestras inspiradoras, por mais fora da minha realidade que elas sejam.
Mais recentemente, também me tornei a pessoa que eu mais temia: a que passa horas em transe diante dos inúmeros vídeos sugeridos pelo TikTok no meu “For You”, página de sugestões personalizadas do aplicativo.
Por isso, quando soube que o TEDxSão Paulo seria transmitido pela primeira vez em formato vertical, ao vivo, com exclusividade para os usuários da plataforma, pensei que seria o melhor dos dois mundos. Eu só não contava com a astúcia do público da rede.
Com o tema “Ideias que merecem ser espalhadas”, o evento começou pontualmente às 16h e, conforme prometido, foi transmitido ao vivo somente no aplicativo –não era possível assistir às palestras nem mesmo abrindo o TikTok no navegador da web.
No entanto, diferentemente do anunciado, a abertura da edição, apresentada por Luisa Micheletti de um estúdio, foi transmitida na horizontal, assim como a primeira palestra, da psicóloga e influenciadora digital Lorrane Silva, e algumas outras.
Além disso, a experiência do usuário (UX) também deixou a desejar: o banner do evento na página inicial do app não era clicável. Portanto, para chegar até o conteúdo, foi preciso sair dessa tela e procurar o usuário @tedxsaopaulo no campo de busca para, aí, sim, poder clicar no ícone de perfil e assistir às palestras.
Embora a fala da Pequena Lô, como é conhecida, fosse tão inspiradora quanto ela, dois fatores impediram que eu me conectasse com o conteúdo. O primeiro deles foi o fato de o vídeo ter sido gravado sem um trabalho mais elaborado de composição de cenário e iluminação, parecendo mais um vlog do que um TED Talk.
Mas isso não se repetiu em todas as palestras. Muitas delas foram gravadas do mesmo estúdio em que estava a apresentadora, com o convidado de pé sobre um carpete vermelho usando um microfone auricular –o que deixou o clima mais próximo de um TED Talk tradicional, ainda que em uma versão, digamos, genérica.
O segundo fator, que se manteve durante todas as falas, foi a enxurrada incessante de mensagens enviadas em tempo real pelos espectadores, que tornavam quase impossível a tarefa de se concentrar no palestrante.
A caixa de comentários assemelhava-se a um chat dos primórdios da internet. Só que, enquanto nas salas de bate-papo virtual as pessoas de fato se comunicavam entre si, na live do TikTok elas falavam sozinhas, brigando pela atenção do anfitrião.
Teve gente mandando o famigerado “roi” eternizado pelo ícone Mario Jr., além de emojis e “presentes” comprados com a moeda própria da rede, como cafés, máscaras, brigadeiros e pandas. Gente aproveitando a visibilidade para angariar novos seguidores não só na rede em questão, mas em todas as outras também.
Teve gente carente tentando, sem sucesso, fazer novas amizades. Gente se preocupando em avisar que não poderia ficar até o fim do evento porque não tinha conseguido sair mais cedo do trabalho para assistir às suas aulas. E até gente que de fato estava prestando atenção na fala e mandando mensagens de incentivo para os palestrantes.
Mas, como não poderia deixar de ser, também teve o lado sombrio da força. Comentários como “vai se ferrar” e “criança falando de TED” se sobrepunham à fala da Pequena Lô, que abordava justamente o preconceito que ela enfrentou por ter nascido com os membros inferiores curtos devido a uma síndrome que até hoje não foi identificada.
Só fui conseguir me conectar de fato ao conteúdo na quarta palestra, quando fechei os olhos e passei a consumi-lo como se fosse um podcast. Mas engoli as lágrimas, provocadas pelo depoimento da historiadora Giovanna Heliodoro sobre sua experiência enquanto mulher trans preta, quando voltei o olhar à tela e dei de cara com o comentário “amo comer um travequinho”.
Por mais que eu tenha ficado incomodada com a falta de padronização, o não cumprimento integral da promessa do formato vertical, as falhas no áudio que fizeram com que vídeos voltassem a ser transmitidos do início e o fato de a notificação sobre o início do evento ter pulado na tela do meu celular dois dias após sua realização, nada disso chegou perto da angústia de ser obrigada a encarar o pior do ser humano justamente num espaço em que eu buscava conteúdo edificante.
Imagino que não sejam essas as ideias que a organização do evento acredite que mereçam ser espalhadas. Nem Leandro Karnal, cujos vídeos me acompanham da cozinha ao chuveiro, conseguiu salvar o evento para mim.
Assistir ao TEDxSão Paulo no TikTok foi como remar um barquinho furado em um oceano de chorume. Por mais que eu me esforçasse para jogar a água fora, ela continuava a invadir meu espaço sem pedir permissão. Apesar de ter fuçado no aplicativo e no Google, não consegui encontrar uma forma de desativar os comentários durante a live –se houver e alguém souber, aceito tutoriais.
Resta saber se conseguirei apreciar devidamente o conteúdo das palestras quando elas estiverem disponíveis em formato horizontal –e sem interferências– no canal oficial TEDx Talks do YouTube.