Nove motivos por que janeiro de 2021 será um mês histórico para as redes sociais

Quando nossos filhos forem estudar a história das redes sociais, o mês de janeiro de 2021 será um dos mais importantes. Muitos fatos sem precedentes aconteceram em poucos dias, a começar pelo banimento do presidente dos EUA Donald Trump de Facebook, Instagram, Twitter, YouTube, Twitch, por incitação à violência ao insuflar uma massa de seguidores a invadir o Congresso americano por não aceitar a derrota nas eleições de 2020

A rede social de Jack Dorsey, o Twitter, fez o ato mais representativo de todos ao suspendê-lo permanentemente, enquanto as outras deram um prazo temporário. 

Neste momento, estamos no meio da movimentação das placas tectônicas. Ainda é difícil prever todas as consequências, mas já existem alguns indícios. Confira o que deve mudar nas redes sociais nos próximos meses. 

ABRIU A PORTEIRA
A partir do momento em que se quebram precedentes, o que era inédito ganha ares de cotidiano. É assim na nossa vida: o primeiro beijo é marcante. Do segundo e terceiro poucos lembram. Portanto, se o presidente dos EUA, figura conhecida como “homem mais poderoso do mundo”, foi silenciado, qualquer cidadão é passível de sê-lo, inclusive outros líderes de países importantes. 

BRAZIL
O que nos remete ao Brasil. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) já escancarou que irá imitar o americano caso não saia vitorioso nas urnas ao “prever” fraude em 2022. A pressão irá aumentar sobre as big techs para que as ações não fiquem restritas a Trump, e Bolsonaro é um dos principais candidatos a ser banido das redes sociais. 

PLACAS TECTÔNICAS
O terremoto é diário neste mês de janeiro. O banimento de Trump levou a uma primeira onda ao Parler, rede social conhecida por não moderar o conteúdo e adorada por conspiracionistas de toda ordem. No entanto, Google, Amazon e Apple a baniram de suas lojas virtuais e servidores, o que, na prática, deve levar a seu fim. O Gab, um “Twitter de direita”, também passou a abrigar trumpistas desabrigados. O maior impacto foi no Telegram, que nos últimos três dias recebeu 25 milhões de novos usuários, muitos movidos também pelas mudanças de privacidade do WhatsApp–o Signal, outro aplicativo de mensagens, recebeu 9 milhões de pessoas. 

As placas tectônicas estão em movimento e neste momento é muito cedo para prever o encaixe futuro. Uma possibilidade é que as redes grandes rumem a um tamanho médio e as nanicas deixem de ser tão inexpressivas. No início, no entanto, é improvável que os radicais abandonem completamente o mainstream, afinal, dependem do alcance de um post no Twitter ou no Facebook para passar a mensagem, mesmo que seja “vamos sair daqui, galera”.  

MONEY TALKS
É preciso analisar ainda como Twitter, Facebook e Instagram vão reagir a essa debandada de usuários. Se a rede fica menor, o poder de barganha com anunciantes também diminui e a margem de lucro das empresas de tecnologia cai. Hoje, Google e Facebook têm o monopólio da publicidade digital, mas a história já ensinou que nenhum domínio é para sempre. 

LIBERDADE DE EXPRESSÃO
A discussão sobre os limites da liberdade de expressão, assunto complexo, voltou a ser central no debate. A premiê da Alemanha Angela Merkel, crítica ferrenha de Trump, mostrou-se contrária ao seu banimento das redes. Por outro lado, o paradoxo da tolerância do filósofo Karl Popper é citado a todo instante (não devemos ser tolerantes com os intolerantes). Dar voz a Trump e sua turba seria alimentar os que desejam o fim da democracia. 

PPPs: PRAÇAS PÚBLICO-PRIVADAS
Existem regras e termos de uso nas redes sociais. Quem desrespeita, sofre as sanções, mesmo se você for o presidente dos Estados Unidos. Parece simples, mas não é. As big techs são empresas privadas, com interesses comerciais, e deixar na mão de três ou quatro presidentes a decisão sobre quem pode ou não ter voz não é a melhor alternativa. A verdade é que elas se tornaram uma praça pública em um ambiente privado e esse é o grande dilema do momento.   

REGULAÇÃO
O dilema, provavelmente, só vai ser resolvido via regulação. Fala-se em um modelo de concessionária, em que essas empresas adquiririam o direito de operar no ambiente virtual desde que siga a legislação local. Não uma lei genérica, mas aprovada específica para grandes monopólios de tecnologia. O Brasil, por exemplo, demorou para aprovar a Lei Geral de Proteção de Dados, mas pouco avançou nessa área. A discussão na Europa está mais avançada –as big techs já tiveram que pagar multas antitrustes. Nos EUA, o futuro das big techs é acompanhado com preocupação mesmo por não apoiadores de Trump. O Facebook vem sofrendo forte pressão entre autoridades e políticos americanos —e, nesta, democratas e republicanos estão no mesmo barco— para que se desfaça de Instagram e WhatsApp, aquisições que “esmagaram rivais”. A regulação dos gigantes deve ser retomada no início do governo Biden.

QUEDA DO MURO 
Se alguém ainda duvidava que existe uma diferença de “vida real” e “vida virtual”, esse conceito parece mais ultrapassado do que nunca. O submundo do QAnon e outras teorias conspiratórias não existem apenas na internet, mas ao vivo e a cores. As redes sociais são uma extensão de nossa vida em qualquer campo.  

ARQUEOLOGIA DIGITAL
Como irão trabalhar os historiadores e arqueólogos digitais dos anos 2100 se todo o rastro pode ser perdido em uma decisão monocrática? Um jornalista que queira hoje analisar os 4 anos de Trump nas redes sociais irá ter bastante dificuldade. Projetos que recuperem os posts devem surgir, mas nem todo mundo terá conhecimento.

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