Posts de pêsames por morte causada pela Covid-19 mais que dobram no Twitter

A Covid-19 matou um a cada 600 brasileiros desde que desembarcou no Brasil, oficialmente, em fevereiro de 2020. O país convivia com altos índices de mortes causadas pela violência, acidentes de trânsito e outras doenças. Em pouco mais de um ano em circulação no Brasil, no entanto, o coronavírus já tirou a vida de mais de 353 mil pessoas. Quem frequenta redes sociais percebeu nas últimas semanas que o luto virou rotina nas postagens de amigos, colegas e até desconhecidos.

No Twitter, o uso de expressões de conforto e de pesar para mortes pela Covid-19 mais que dobrou, passando de 106 mil (última semana de junho de 2020) para 221 mil (primeira semana de abril de 2021), segundo levantamento feito por Fabio Malini, coordenador do LABIC (Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura) na Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo).

 

 

Os dados dizem respeito a expressões como “meus pêsames”, “meus sentimentos”, “descanse em paz” e também de palavras associadas, como “ceifada+covid”, “perder+covid” e “perdi+covid”, por exemplo.

Malini explicou à Folha que já havia observado o aumento das expressões ou das palavras de pesar relacionadas à Covid-19 desde junho de 2020, mas que os números cresceram com o agravamento da pandemia nos primeiros meses de 2021.

Para que o levantamento fosse mais preciso, Malini buscou maneiras de reduzir as chances de os dados apresentarem distorções, evitando publicações que não tivessem relação com a pandemia ou o coronavírus.

Pelo menos dois critérios permitiram ao pesquisador obter esses resultados. Um deles foi o uso do pronome possessivo “meus” associado às palavras “sentimentos” e “pêsames”. Além disso, para impedir a influência de condolências em casos de mortes não relacionadas à Covid-19 sobre os dados, Malini associou, ainda, o uso do pronome possessivo nas expressões a menções diretas ao vírus e à pandemia.

“Quando a pandemia piorou, percebi que a situação começou a ficar pesada. Eu passei a montar o banco de dados e tinha interesse em analisar, mas o clima estava pesado então apenas comuniquei um pouco o que estava vendo”, disse.

Meio para lidar com o luto

Para o pesquisador, as redes sociais se tornaram lugares onde as pessoas podem compartilhar e externalizar sua dor, uma vez que os enterros se tornaram restritos e os abraços oferecem risco. Para ele, o aumento nas interações de pesar poderia ser uma tentativa de viver o luto.

Malini cita um dos argumentos do psiquiatra Joel Birman (disponíveis no YouTube neste link) que indica o luto como sendo necessário para que se possa, simbolicamente, enterrar os mortos e ter um acerto de contas com aqueles que se foram.

“A ausência de rituais funerários têm impacto naquilo que psicanaliticamente chamamos de o trabalho do luto. É preciso que façamos esse trabalho, embora seja doloroso, quando perdemos alguém que é muito importante para nós. Quando não conseguimos fazer o trabalho de luto, segundo Freud, em texto chamado Luto e Melancolia, caímos em uma situação melancólica, um luto patológico”, afirmou Birman, que é professor do Instituto de Medicina Social da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e do Instituto de Psicologia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

O psiquiatra encerrou sua participação no painel com uma previsão desoladora. Para Birman, as consequências traumáticas causadas pela pandemia nos cidadãos brasileiros serão um problema imediato a ser solucionado já nos primeiros dois ou três anos após o fim da pandemia, em especial a depressão, ansiedade e transtornos obsessivos-compulsivos.

Os dados sobre os termos utilizados em publicações e interações no Twitter foram coletados por Malini por meio de um sistema feito na linguagem de programação Pyton, criado pelo laboratório coordenado por Malini. O sistema coleta os termos de busca do Twitter e salva as publicações em uma planilha, de maneira que as informações possam ser analisadas de maneira quantitativa e qualitativa.