Em vídeos, bolsonaristas criam realidade paralela e se emocionam com estado de sítio que não ocorreu
Vídeos feitos no final dos atos de 7 de Setembro em Brasília em que bolsonaristas comemoram um falso estado de sítio no Brasil passaram a circular com força nas redes sociais na noite desta quarta-feira (8). Não há e não houve estado de sítio decretado no país.
- O que é estado de sítio? E estado de defesa? Leia aqui.
Em um dos vídeos, um homem com sotaque do Sul fala exaltado ao lado de outro colega, com camisa de reservista na mão, em meio a buzinaços em uma área iluminada com barracas ao fundo.
“Boa noite pessoal, estamos aqui direto de Brasília, com meu amigo lá de Lages, e conseguimos, fizemos parte, estado de sítio, vamos tirar os vagabundos de lá, conseguimos tirar os 11, fizemos nossa parte, viemos para Brasília, levantemos o cu da cadeira para Brasília fazer nossa parte, estamos aqui na concentração, participemos da história do Brasil, nós conseguimos gente, e trago essas notícias para vocês”.
Tuíte publicado 0h28 de quarta-feira mostra que o vídeo não foi feito nas últimas horas.
“Presidente acaba de decretar estado de sítio. Em primeira mão aí pra todo mundo”, diz o homem que está filmando. Ao fundo, os mesmos gritos e buzinas. O vídeo foi postado 6h28 de quarta-feira.
Outro vídeo, do mesmo local e momento, mostra outro homem em tom emotivo –ele chega a chorar ao final da gravação.
“Meus amigos, minhas amigas, de todo o Brasil, desculpem pela emoção, mas a nossa luta, a nossa garra, valeu a pena. Ficamos sabendo agora que o presidente da República Jair Messias Bolsonaro resolveu agir, e a partir de agora o Brasil está em estado de sítio. Desculpa”.
As cenas são de êxtase coletivo, mas pertencem a uma realidade paralela. Não houve estado de sítio no Brasil.
Não só o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não decretou nenhuma excepcionalidade, como na noite desta quarta-feira ele pediu a aliados em áudio que viralizou que façam contato com caminhoneiros alinhados ao governo para liberar as rodovias bloqueadas depois dos protestos de raiz golpista do dia 7 de setembro.
“Fala para os caminhoneiros aí que [eles] são nossos aliados, mas esses bloqueios aí atrapalham a nossa economia. Isso provoca desabastecimento, inflação, prejudica todo mundo, em especial os mais pobres. Então, dá um toque nos caras aí, se for possível, para liberar, tá ok? Para a gente seguir a normalidade”, diz Bolsonaro.
Um fenômeno interessante é que esses vídeos, que já estão circulando fortemente em grupos de WhatsApp, foram gravados no fim do 7 de Setembro, e só ganharam tamanha tração 24 horas depois.
Uma tarefa árdua é explicar por que algo viraliza. Há uma mistura de originalidade no conteúdo, timing e aleatoriedade que se torna possível prever esses efeitos virais.
Na própria madrugada de quarta já tinha perfis tendo que refutar o estado de sítio, mas o alcance foi inegavelmente menor.
Há dois caminhos para tentar analisar esses vídeos . O primeiro é que as pessoas ali realmente acreditam que houve um estado de sítio. Não é difícil criar uma mentira e hoje, com as redes sociais, disseminá-la se tornou ainda mais fácil. Quando estão reunidas pessoas próximas, que pensam parecidas, a chance de acreditar no que está sendo dito aumenta. Sem contar que muitos foram até Brasília de fato esperando algo concreto –um golpe, para ser mais preciso.
O segundo é que esses bolsonaristas tentam deliberadamente espalhar a informação de que houve um estado de sítio e tudo ali não passou de uma encenação, incluindo as emoções, numa tentativa –um tanto desesperada– de provocar o caos.
De fato, muitos perfis bolsonaristas raiz tentam emplacar a narrativa de que houve estado de sítio.
Ao mesmo tempo, nota-se, como em poucas vezes deste governo, que a estratégia digital anda um pouco desarticulada. Uma seleção de conversas de grupos de Telegram mostra uma total dessintonia entre os participantes.
Não é a única postagem que mostra que há falta de coordenação central.
“Até aqui atores como Bia Kicis, Carla Zambelli, Carlos Jordy – dentre outros – perfis centrais do bolsonarismo sequer abordaram a pauta, sendo que a hashtag já aparece no TT’Brasil desde às 14h”, escreveu o analista de dados Pedro Barciela.
Às 9h desta quinta-feira (9), “estado de sítio” é um dos assuntos mais comentados no Twitter, com 31 mil tuítes mencionando o tema.
Pessoas críticas ao governo aproveitaram o momento para criar memes sobre o falso estado de sítio.
O momento de decepção.
Há quem sinta vergonha alheia.
Muitos bolsonaristas não estão acreditando no áudio do presidente –cuja autenticidade foi comprovada pelo governo.
Estado de sítio: andar a cavalo.
O trocadilho com gado é recorrente entre opositores do bolsonarismo.
O meme dos Três Patetas é outro que recorrentemente aparece.
Novo hino brasileiro.
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