A vez em que fui acusada de plagiar um vídeo que eu nem sabia que existia

Na manhã de sexta (10), vi no portal de cultura Papel Pop que o compositor de “Mulheres”, eternizada por Martinho da Vila, estaria processando a cantora britânica Adele por plágio. Pensando ser um ótimo tema para o TikTok da Folha, sugeri a pauta para o F5, já que os vídeos que produzo devem ser baseados em matérias do jornal. O texto acabou publicado pela Ilustrada na mesma noite.

Na segunda (13), com a pauta aprovada pelo meu editor, fiz o roteiro do vídeo, com o objetivo de gravar, editar e publicar no mesmo dia. Mas só quem já viveu o dia a dia do jornalismo sabe como nossos planos são constantemente atropelados pelo dinamismo do noticiário —o que fez com que o vídeo acabasse nas redes da Folha somente na tarde de sexta (17).

Reunião de pauta na segunda, 13

O resultado final.

Daquele momento até o fim de domingo (19), mais de 50 comentários nos acusavam de ter copiado “na cara dura” o vídeo que o perfil @eugustavovaz, publicado na quarta (15), tinha tido “um trabalhão” para fazer. Ele, que se intitula ”cantautor”, considerava “inacreditável” ter “se matado pra pesquisar e produzir um conteúdo sobre plágio” para “um canal de comunicação gigante” refazer o vídeo “sem nenhuma marcação, nem creditação”. Para o influenciador e seus seguidores, ele era o detentor de toda informação já publicada sobre supostos plágios de músicas brasileiras e o inventor da linguagem audiovisual do TikTok.

Em nenhum momento alguém parou para se perguntar de onde ele havia tirado a informação. Parece-me pouco provável que o influenciador a tenha recebido diretamente das partes envolvidas nos processos ou de seus advogados. A possibilidade mais plausível é a de que ele tenha feito seu vídeo com base em informações encontradas na internet, disponíveis graças ao trabalho de apuração de jornalistas.

Ao acusar um conteúdo de plágio apenas por ter o mesmo tema, @eugustavovaz e seus seguidores talvez não tenham conhecimento do processo jornalístico. Se for esse o caso, explicamos: a partir do momento que um fato torna-se público, os jornais movimentam-se para apurá-lo diretamente com as fontes e noticiá-lo. A informação é a mesma, mas a forma como ela é apresentada varia de acordo com o veículo e o profissional. Basta assistir a outros vídeos publicados nas redes sociais da Folha para ver que, embora as histórias sejam diferentes, a forma como as conto segue a mesma linha.

O fato de tanto meu vídeo quanto o de Gustavo começarem com o caso da Adele é consequência de um velho conhecido do jornalismo: o gancho. Para justificar ao público por que estamos desenterrando histórias do passado, é preciso primeiro falar do que virou notícia recentemente.

Ao se criar uma realidade paralela de que o vídeo foi plagiado, mostra-se que a palavra do ano de 2016 segue mais atual do que nunca. Embora tenha sido largamente traduzido para o português como o filosófico “pós-verdade”, o vocábulo “post-truth”, como tantos outros da língua inglesa, guarda também um segundo sentido: “verdade do post”.

Dado o contexto em que a palavra foi eleita pelo dicionário Oxford, a segunda tradução, embora menos pomposa, parece ser mais adequada à ideia original. Foi em 2016 que Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos e que a maioria da população do Reino Unido decidiu pelo Brexit —dois episódios possíveis graças a campanhas apoiadas em mentiras largamente espalhadas por meio das redes sociais.

A partir de 2016, caiu com mais força a ficha de que a crença na desinformação contida em publicações de redes sociais tinha superado, no imaginário de grande parte da sociedade, a credibilidade da informação apurada e verificada por especialistas.

O que à primeira vista parece apenas um comentário inocente de um jovem influenciador brasileiro revela-se, enfim, um dos sintomas de uma sociedade inevitavelmente paradoxal. Ao mesmo tempo em que se tem muito mais acesso a informação de qualidade, os seres humanos têm cada vez menos discernimento para diferenciá-la da mentira, deixando-se guiar cegamente pelas emoções ditadas por seus pares.