Burnoutinho, símbolo dos millennials nas redes, ajuda a conscientizar sobre a síndrome
Se sua carga de trabalho aumentou durante a pandemia, é bem provável que você já tenha recebido a visita de um novo amiguinho: o Burnoutinho. O que nem todos sabem é que a figurinha do cérebro sorridente com um pavio aceso no topo da cabeça e as mãos na cintura como se aguardasse a próxima entrega não foi pensada para circular livremente pelos grupos de WhatsApp.
Observando a explosão de casos de burnout nas agências de publicidade poucos meses após o início do isolamento social, o publicitário Vitor Fubü, 30, criou o sticker como forma de piada, para chamar a atenção de quem evidenciava o excesso de trabalho sem perceber. “Se alguém escrevia, por exemplo, ‘hoje só tive tempo de almoçar às 18h por causa do trabalho’, a gente mandava o Burnoutinho”, conta. “Mas isso em grupo muito específico de amigos, não foi feito pensando em sair dali.”
Meses depois, Fubü recebeu em outro grupo outra figurinha do personagem que tinha criado, mas que era um recorte “meio mal feito” do sticker original. “Ali eu descobri que já tinha se tornado maior, mas achando que ainda era só uma figurinha de WhatsApp que as pessoas estavam compartilhando”.
Mas foi só em setembro deste ano, quando sua namorada disse que queria a figurinha do Burnoutinho, que o publicitário se deu conta da dimensão que sua criação tinha tomado. “Não sabia como ela conhecia o personagem, a gente nunca tinha conversado sobre isso”, conta. Foi aí que ele descobriu que o Burnoutinho era não só sticker, mas também assunto no Twitter e até página no Instagram. “Achei engraçada a repercussão, as pessoas entenderam a ironia da figurinha e usam na maioria das vezes como crítica à toxicidade dos ambientes em que elas trabalham”.
Uma dessas páginas é a Dicas do Burnoutinho (@burnoutinhotips), criada por Giovanni, 27, e João, 35, que trabalham juntos em uma startup de tecnologia. O que a dupla fez foi unir o personagem criado por Fubü a “frases e comportamentos de líderes e gestores que influenciam negativamente os colaboradores, deixando todos mais ansiosos, inseguros, sobrecarregados e por aí vai”, explica João.
Coincidentemente (ou não), o perfil também nasceu a partir de piadas internas compartilhadas em grupos de amigos do trabalho, e já acumula mais de 20 mil seguidores no Instagram desde julho deste ano, quando foi ao ar. “A identificação com certeza é o principal fator de crescimento”, conta João. “Já nos disseram até que o perfil ajuda a pessoa a levantar e trabalhar e continuar lutando”.
Embora tenham estilos de vida completamente diferentes —João é casado e tem duas filhas pequenas e Giovanni é solteiro e mora com os pais —, os dois têm ao menos uma coisa em comum entre si e com Fubü. Os três integram a geração Y, reforçando a tese da jornalista e pesquisadora Anne Helen Petersen de que o burnout seria a característica definidora dos chamados millennials.
“Nós temos duas características principais que geram o adoecimento pelo burnout, a exigência da empresa sobre o profissional e a auto-exigência”, explica José Fernandes Vilas, médico, neurocientista, autor do livro “Quando o Sucesso Vira Burnout: Síndrome do Esgotamento Profissional” e, assim como os demais personagens deste texto, millennial. “Como somos a geração do imediatismo e da produtividade, a primeira que foi exposta à sobrecarga de informações proporcionada pela internet e pelas redes sociais e que, ao mesmo tempo, não sabe exatamente como cumprir as expectativas para alcançar o sucesso profissional, estamos mais propensos a entrar nesse processo de exaustão”, explica.
Das 15 pessoas que estavam no grupo em que o Burnoutinho nasceu, 5 receberam diagnóstico da síndrome, conta Fubü. “Se eu continuasse morando em São Paulo durante a pandemia, ia ser diagnosticado com certeza absoluta. Mudar os ares me ajudou demais”, diz o publicitário, que aproveitou o home office para ficar com a família em Brasília (DF).
Ironicamente, a dupla responsável pelo @burnoutinhotips descobriu que produzir conteúdo para redes sociais e interagir com os seguidores também contribui para estreitar a relação com o amiguinho Burnoutinho. “Tem sido uma carga de energia desprendida extra ao trabalho. Apesar de ser muito divertido, claramente consome tempo e acabamos ficando mais cansados”, conta Giovanni, que confessa sentir certo medo de banalizar a síndrome, mas acredita que o papel da página também é de conscientizar.
“Acho importante que as pessoas saibam que, apesar de poder ser levado com humor, trata-se de um assunto sério, que deve receber a devida atenção de um profissional especializado”, defende. “Usamos e abusamos do sarcasmo e ironia, mas estamos o tempo todo falando, mesmo que indiretamente, sobre sintomas do burnout”, explica João.
Mas Vilas diz ser “totalmente a favor” de todas as páginas da internet que falam de saúde mental. “Quando você apresenta uma doença que todos acham que é o fim da carreira de maneira simples e didática, fazendo com que a pessoa ria da própria desgraça, ela consegue levar as dores do dia a dia com muito mais leveza”, explica o neurocientista. “A pessoa que sabe rir da própria dor tem uma perspectiva melhor da vida, consegue lidar melhor com seus problemas”, defende.