É preciso encantar a criança para ela preferir um livro ao YouTube, diz blogueiro
É missão dos pais e dos educadores fazerem crianças e adolescentes se interessarem por livros e literatura. Mas é preciso mais criatividade do que apenas um “isso é importante para seu futuro”.
É sobre esse desafio (e outros assuntos, claro) que fala o jornalista Bruno Molinero, do Era Outra Vez, sétimo convidado do Fale, blogueiro, programa de entrevistas com blogueiros da Folha no Instagram Stories.
Assista à entrevista completa ou leia abaixo os melhores trechos.
Passamos por uma crise nas vendas de livros, inclusive de literatura infantojuvenil. Quais os motivos?
A gente deixou de vender porque o país passou e está passando por um momento econômico delicado. O país deixou de vender carro, deixou de vender carro, casa, e livro. Mas é um problema estrutural um pouco maior. O livro para criança está inserido dentro de um conceito maior, não dá para analisar só ele como se estivesse numa redoma de vidro. Tem um problema de estrutura de escola, em que tem uma massa de pai que não lê, professores que não leem, crianças que não leem, aí partir daí produz e vende menos livros porque não tem quem leia. Tem também um problema histórico: o Brasil começou a ter imprensa, e a produzir livro, muito tarde. Não é exagero dizer que estamos nos acostumando a fazer isso, é um processo histórico que é lento. Tem desigualdades econômicas, desigualdades sociais, um monte de coisa que influencia nessas quedas.
E no exterior, como é?
O mercado dos Estados Unidos e a Europa ocidental (Portugal, Itália, Inglaterra, Alemanha) tem um mercado muito forte para criança, é um setor muito valorizado. Dá de dez a zero no nosso, cifras, valores, quantidade de títulos, a qualidade do papel, a impressão, eles estão num estágio mais avançado sem dúvida. A Feira de Bologna, na Itália, é muito famosa, é lá que é revelado o Prêmio Hans Christian Andersen, o Nobel da literatura infantil.
Autores e editores criticam governo por fixar temas em edital de livros. Poderia explicar?
O governo brasileiro sempre foi um grande comprador de livros –até pouco tempo atrás era o maior. Mas no fim do governo Dilma, no bojo da crise econômica, o antigo edital de livros para escolas foi extinto e não se comprou mais livros. E o que parecia uma boa notícia –o governo lançou o PNLD Literário (Programa Nacional do Livro Didático), que teria também livros de literatura. Só que aí editores, autores, ilustradores viram a regra do edital, acharam um pouco complicado, pois, segundo eles, havia uma mistura do que era literatura e o que era escola. Tem que falar sobre a descoberta da juventude, sobre a relação com os amigos, sobre descobrir a si mesmo. Se você quer um tema fora do edital, você tem que explicar e justificar porque quer falar sobre isso. O que autores reclamam é que primeiro você cria uma moral da história para depois criar uma história, e isso é um pensamento inverso do que é produzir literatura. Fora isso, tem uns tamanhos determinados, então qualquer livro fora desse tamanho ou é adaptado ou não vai pode participar ou ser comprado pelo governo.
A literatura, inclusive de crianças, deseja interpretações, reflexões. Nos livros de hoje, elas são muitas vezes menosprezadas?
Eu não diria um menosprezo. Há muitos livros bons publicados, de alta literatura, escritores ótimos, ilustradores ótimos, mas também tem uma massa de livro que se encaixa um pouco nisso que a Sandra Medrano falou, em que o objetivo, a moral da história, por que você quer ensinar a criança a ser uma pessoa virtuosa, isso se sobressai. É um livro que o autor senta e fala, puts, “preciso ensinar a criança a escovar o dente”, então a partir dessa moral ele vai lá e cria uma história, ou reciclar o lixo, aquecimento global, só temas caros ao mundo contemporâneo, e fica uma história um pouco manca. Você não tá criando algo novo, algo que quebra expectativa, você não está fazendo literatura, você está fazendo alguma coisa que carrega uma moral para criança ser melhor, para o professor usar na escola, aí a escola olha “que legal esse livro que ensina a criança a escovar os dentes, vamos comprar”, aí o autor vende mais livros, acaba sendo um problema estrutural.
A Jout Jout pegou, falou sobre o livro inteiro e o que em tese poderia ser ruim foi incrível pra editora, houve aumento de mais de cem vezes no pedido do livro nas livrarias. Agora, é ruim quando é preciso esse fator externo pra um livro infantil ganhar as manchetes, não?
Você pode ver por esse lado, em que talvez precise de um fator externo para estimular as vendas, mas eu enxergo por outro lado, que bom que ela escolheu falar sobre livro pra criança e isso acabou sendo divulgado, e vendeu, e transformou o Shel Silverstein conhecido no Brasil, um livro antigo. Eu adoraria que caixas de sabão em pó tivesse coisas sobre livro, que toda vez que você comprasse algo no mercado viesse uma resenha de livro infantil. Talvez pouco a pouco o livro se tornaria algo mais do dia a dia da criança. Acho que a Jout Jout fez um serviço super importante pros autores, pros ilustradores, pras crianças, porque realmente é um livro legal, é pouco óbvio, literariamente muito bom, sem formulazinhas para ser educativo, se propõe a fazer literatura.
Como a tecnologia é retratada nos livros infantojuvenis?
Na verdade, todo assunto e qualquer assunto pode ser tema de um livro. A tecnologia claro aparece, até porque quando você fala de criança, a fantasia, a tecnologia, o futuro, sempre pode ser um tema, é fácil de encontrar. Talvez a grande questão da tecnologia dentro da literatura para criança seja a questão do livro digital. Aí sim, é um mercado que não está em expansão, mas também parece que não está em retração, existem exemplos legais de editoras digitais especializadas, é um mercado interessante. Mas também existe muita coisa estranha sendo feita, como um mero PDF, que só vira a página, que você não entende porque aquilo não está sendo impresso, talvez só por uma questão de custo. E mais uma vez comparando com fora, lá temos grandes exemplos de bons livros digitais sendo feitos, e podem ser baixados aqui se você lê em outra língua, inglês principalmente.
Qual a influência da família no processo de ler da criança?
É muito mais natural, simples e fácil você ter um pai leitor, um professor leitor, um tio leitor, um padrinho leitor, que faz a criança se tornar leitora, porque vai sentar com a criança, vai contar aquela história, a criança vai se encantar pelo livro, pela literatura, e a partir daí ela vai aprender a ler, e claro, não é obrigatório, pode acontecer mil coisas pelo caminho, é tudo muito nebuloso, mas é muito mais provável que ela se torne um adulto leitor, e o filho dele se torne uma criança leitora, do que ela por si só e espontânea vontade aos 10 anos entrar numa livraria e comprar o livro. Então o pai, o professor, o mediador, são extremamente importantes nesse aspecto porque mostra possibilidades. A isca tem que ser jogada de alguma maneira.
E ler para bebês? Você recentemente entrevistou Yolanda Reyes, escritora colombiana especialista em formação de leitores.
Segundo ela não tem uma fórmula exata e direta. Não quer dizer que bebês que ouviam livros, os pais contarem histórias, ele vá se tornar um adulto leitor, ou um escritor, mas, segundo ela, é algo muito importante para o bebê, que tem a necessidade de ouvir a sua língua, e ouvir a literatura, porque é a língua mais ritmada, como se fosse a música, a partir daí ele toma esse contato, há uma aproximação entre pais e filhos, no colo, e a partir daí ele cresce e consegue ler, sentar, e aí é aquilo que a gente já conversou, abre mais possibilidades para ele ter um emprego melhor, ganhar mais dinheiro.
Fui falar com uma amiga minha que tem uma irmã de dez anos e ela deu um depoimento super interessante. “Pior que até minha irmã que era rata de leitura foi seduzida pelos vídeos no Youtube”. Como lidar com isso, Bruno?
Não existe uma resposta. Não sei se tem que enfrentar. O vinil não destruiu o CD, a TV não destruiu o cinema, o vídeo do YouTube ou a live no Instagram não vai destruir a literatura. Agora, é questão do pai que está ali no dia a dia, do professor, insistir, tentar fazer com que a criança volte a pegar o livro, leia. Não com um papo chato “isso é importante para seu futuro”, mas tentar encantar a criança para que ela continue lendo, porque de fato isso é importante para o futuro dela.
2017 não foi um ano fácil para arte e literatura. Livros infantis foram retirados de escolas e livrarias por pressão de grupos que os acharam impróprios –e isso dos dois lados. Isso continua?
A literatura para criança não está inserida dentro de uma redoma de vidro em que não tem contato com o que está acontecendo fora. É um contexto que começou já há algum tempo, foi mais forte no ano passado, e continua acontecendo de censurar livro. Estamos passando por um momento em que a arte, a produção literária, de teatro, ela vive um patrulhamento tanto de grupos de direita quanto de esquerda, ou afirmativos, que acham que aquilo desrespeita uma minoria ou um grupo e prefere, em vez de procurar a Justiça, eliminar uma obra. Isso acaba caindo na literatura para criança, é inevitável. Isso acontece, continua acontecendo e acho que é um tempo um pouco instável. Tem que ficar de olho, e, sempre que acontecer, noticiar e refletir sobre isso, acho que esse é o papel da imprensa.
E livros sobre Karl Marx para crianças ou biografias para adolescentes sobre feminismo, qual sua opinião?
Esses dois exemplos têm uma pegada mais informativa. O de Marx adapta para um livro infantil as ideias do filósofo, e do grupo feminista pega algumas mulheres importantes do mundo e do Brasil e faz uma pequena biografia para que sobretudo meninas fiquem conhecendo mulheres importantes, e despertem sentimento feminista, de simpatia a outras mulheres, e de empoderamento, essa palavra do ano. Eu acho interessante. Do ponto de vista de mercado é legal, você tenta achar novos públicos, pois talvez uma menina que nunca leu queira ler aquela matéria ou aquele livro porque acha o tema interessante. Do ponto de vista pessoal, de alguém que faz crítica de livro, eu só acho que tem que tomar cuidado para o livro não se tornar um panfleto, não ser alguma coisa de um partido político, que aí foge da proposta.
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