Não se engane, o assunto é sério: com recorde de visitantes, ‘museu de memes’ também vira meme

Sarah Mota Resende

No 7 a 1 teve, no impeachment da ex-presidente Dilma também. Prisão do peemedebista Eduardo Cunha? Lá estavam eles, que também deram as caras na cerimônia do Oscar 2017 e quando Donald Trump foi eleito presidente dos EUA.

Da política ao entretenimento, direto da camada mais profunda da “deep web” ou do grupo da família no WhatsApp, eles estão por toda a parte: os memes.

 

A importância do assunto é tamanha que estudiosos da Universidade Federal Fluminense, em Niterói (RJ), resolveram compilá-los em um museu –virtual, claro — batizado de #MUSEUdeMEMES.

O COMEÇO

Encabeçada por Viktor Chagas, professor e pesquisador do Departamento de Estudos Culturais e Mídia e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da instituição, os primórdios da iniciativa datam de meados de 2011, quando um grupo de pesquisa liderado pelo docente começou a se reunir.

No ano seguinte, graças aos eventos abertos ao público organizados pela turma, o projeto ganhou o apelido de #memeclubes –“uma experiência que se apresenta como um misto entre um cineclube e um seminário acadêmico”, diz Chagas à Folha.

Nas reuniões, os participantes assistem a uma projeção com um conjunto de memes previamente curados e, em seguida, debatem algum assunto numa espécie de “exposição temática”.

COM NOME E ENDEREÇO

Deu tão certo que, em junho e 2015, a empreitada tomou forma de site. “O #MUSEUdeMEMES é uma referência importante para pesquisadores e vitrine de divulgação científica. Naturalmente, a ideia é ser também uma provocação sobre o lugar da cultura popular de internet, um questionamento sobre o papel dos museus e da memória popular, e, claro, uma plataforma lúdica”, explica Chagas.

O BOOM

No ar desde então, o acervo só foi ganhar popularidade agora. “Nesta última semana de março, batemos todos os seus recordes de visitação. Foram mais de 40 mil visitas em apenas três dias, algo impensável para a grande maioria dos projetos universitários”.

Por quê? Segundo Chagas, embora nada conclusivo, a equipe tem algumas hipóteses sobre essa “redescoberta”. “Provavelmente o fenômeno é semelhante ao que acontece com os objetos que estudamos: alguém viu o site, compartilhou e daí a coisa virou febre. Eu gosto de dizer que o #MUSEUdeMEMES virou um meme”.

OS CURADORES E A CURADORIA

Chagas conta com um quantitativo de alunos, da UFF e de outras instituições, que circula em torno de dez a quinze pessoas. Há um conjunto de procedimentos para selecionar os memes que compõem o acervo, mas muito desse processo é empírico e intuitivo. “Normalmente, o primeiro passo é a seleção temática para pesquisas específicas. Elencados os memes e realizada a investigação prévia sobre o tema, os alunos que cuidam da etapa final de produção textual ficam responsáveis por dar forma ao conteúdo”.

MEME É INFORMAÇÃO 

“Sem dúvida, a geração que temos hoje já se informa por memes. Mas não há como predizer de modo tão maniqueísta se isso resultará em algo bom ou ruim”, opina o estudioso. “De um lado, é muito ruim que essa informação circule de modo tão superficial e raso, o que prejudica o aprofundamento da experiência política e favorece radicalismos. De outro, é muito bom que essa informação alcance públicos que estão tendo sua primeira experiência de letramento político”.

A “política memal”, aliás, é um caso a parte para a organização do museu. “Nós temos catalogado memes políticos com bastante frequência e parte de nosso interesse é justamente interpretar esses conteúdos em suas diferentes funções”.

E eles são muitos e diversos. Há memes que são mais persuasivos, caso daqueles que circulam em período eleitoral, e memes que funcionam por meio de campanhas, e, assim, estimulam uma ação coletiva, caso dos memes feministas, entre outras tantas versões da “brincadeira” virtual.

“Em todos os casos, nos interessa saber como e para que fins são usados esses conteúdos, nos interessa mapear a rede de internautas que os compartilha e investigar seus hábitos, conhecer suas posições”, diz Chagas.

MEME BRASILEIRO É COISA SÉRIA

Diferentemente de outras bases de dados internacionais sobre o tema, como o americano Know Your Meme, construído de forma colaborativa por internautas, o museu brasileiro, segundo Chagas, procura estabelecer constantemente um diálogo com outros pesquisadores.

“A reflexão que procuramos estimular é de que os memes são parte importante de nossa cultura e da conversação cotidiana na internet. Há, sim, ainda, quem torça o nariz. Mesmo entre os pesquisadores da cultura popular, há quem não entenda a importância do fenômeno, mas as barreiras são vencidas com trabalho sério”.