A Terceira Guerra Mundial nunca foi tão temida quanto agora, indicam buscas no Google

Mateus Camillo

Era noite de quinta-feira, 6 de abril, no Brasil, e madrugada da sexta-feira, 7 de abril, na Síria, quando os Estados Unidos lançaram 59 mísseis Tomahawk de dois navios de guerra americanos no Mar Mediterrâneo e atingiram a base aérea de Al Shayrat, em Homs, destruindo caças sírios, munição, radares e outros equipamentos militares. A ação foi uma retaliação de Donald Trump ao ataque químico em Khan Sheikhun, na Síria, dois dias antes, que matou ao menos 80 pessoas, dezenas delas crianças. A imagem do sírio Abdel Hameed al-Youssef dando adeus aos seus gêmeos bebês viralizou na internet e chocou o mundo inteiro.

No mesmo dia, os termos Terceira Guerra Mundial e World War 3 estiveram nos trending topics (termos mais buscados) no Twitter, a rede social que mais rapidamente sintetiza os sentimentos e acontecimentos de determinado dia. Mas, para uma análise mais histórica, o Google Trends, ferramenta do Google que indica tendências a partir das buscas no Google, é o ideal para analisar.

A plataforma disponibiliza dados desde 2004, mesmo ano da criação do Orkut, a primeira rede social que atingiu larga escala mundial. Então, podemos dizer que na era das redes sociais nunca se temeu tanto a Terceira Guerra Mundial, como as imagens a seguir nos mostrarão.

O Google Trends não registra o número bruto, mas sim uma escala, com 100 sendo o ápice da pesquisa para o mesmo termo. Podemos conferir, portanto, que “Terceira Guerra Mundial” teve seu ápice em abril de 2017 no Brasil. O mesmo vale para “World War 3” no mundo inteiro.

O gráfico também mostra outros picos, atingindo a escala 50: um em novembro de 2015 e outro em outubro de 2016. Esses picos geralmente são motivados por um acontecimento geopolítico importante. Em novembro de 2015, uma série de atentados em Paris deixou mais de 150 mortos. Dois dias depois, a França bombardeou um reduto do Estado Islâmico na Síria. Motivos mais do que suficientes para a busca no Google sobre o temor de um conflito aumentarem. Em outubro de 2016 vivíamos o auge da tensão do debate eleitoral entre Hillary Clinton e Donald Trump. A ascensão do republicano e de seu discurso belicoso novamente contribuiu para um aumento nas pesquisas relativas a um conflito global.

O Trends também dá a divisão geográfica da pesquisa.

Nota: um valor elevado (azul mais forte no mapa), como no caso da Filipinas, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul e Canadá significa uma alta proporção de buscas do total de buscas daquele país, e não um valor absoluto maior.

Interessante notar que segue a conectividade global: áreas com mais acesso a internet pesquisaram mais, caso da América do Norte, Oceania e Reino Unido (no mapa, com o azul mais forte). Já a África (exceto África do Sul) está toda de cinza. Dados de 2016 da UIT (União Internacional de Telecomunicações) explicam essa diferença: apenas 25% da população utiliza internet no continente, contra 80% da Europa.

Outro dado que o Google Trends aponta são as buscas relacionadas. No Brasil, “Coreia do Norte” só aparece na 12ª posição, o que nos leva a crer que os internautas brasileiros não levam tão a sério assim as ameaças do maluco Kim Jong-un, o ditador da Coreia do Norte. O temor de um conflito ocidental com a Rússia é muito maior, como fica evidente já na primeira busca relacionada: “terceira guerra mundial rússia”.

No entanto, as buscas relacionadas podem não ser tão precisas assim. É o que acontece com “World War 3” pelo mundo. Os jogos de computadores e videogames dominam os resultados, o que não significa que as pessoas tenham aproveitado para comprar um PlayStation4 e treinar para a Terceira Guerra Mundial com o jogo de guerra Call of Duty.

Mas há motivos para temer a Terceira Guerra Mundial de fato?

Para o historiador militar Cesar Campiani Maximiano, sim. “A história da estratégia e das guerras deixa claro que a guerra é uma condição tão natural da humanidade quanto a paz. Sim, estamos vivendo em um período em que é possível estabelecer analogias com o final do século XIX e com a década de 1930, apesar das várias diferenças contextuais. Os próximos conflitos tenderão a ser definidos pelas afinidades culturais e civilizacionais, como foi percebido por Samuel Huntington nos anos 1980.”

João Barone, baterista do Paralamas do Sucesso, pesquisador e autor de dois livros sobre a 2ª Guerra Mundial, não vê um conflito em breve. “Eu sou da opinião que dificilmente alguma coisa muito terrível vai acontecer. Essa ameaça acaba gerando medo e insegurança nas pessoas, mas as saídas econômicas são sempre preferíveis à ameaça militar. Hoje em dia, as grandes cadeias de jornalismo estão o tempo todo em cima dos fatos, o que dá a sensação de que sempre tem alguém prestar a apertar o botão da guerra. Para mim, a ação terrorista dos lobos solitários gera um medo muito maior do que um conflito armado.”

Tropas britânicas avançam durante batalha de Somme, em foto de 1916. (Foto: Archive of Modern Conflict London/Reuters)

PRIMEIRA E SEGUNDA GUERRA NA ERA DAS REDES SOCIAIS

Ficou famosa recentemente a página no Facebook “Historical Footage Made in Brazil“, em que imagens históricas são transportados para situações e personagens da cultura brasileira. Também já fez muito sucesso a “Segunda Guerra Mundial narrada pelo Facebook“, em que perfis simulavam os países envolvidos no conflito e como seriam os diálogos entre eles numa linguagem cibernética.

Pensando nisso, este blog convidou os dois pesquisadores entrevistados acima a fazer um exercício de imaginação: como teria sido a 1ª e 2ª Guerras na era da internet? Quais teriam sido os termos mais buscados no Google? O que viraria trending topic? Quais seriam as fake news mais compartilhadas no Facebook? Confira alguns pontos.

Google Trends
Cesar Campiani Maximiano: Na Primeira Guerra, a metralhadora e o avião de caça. Na Segunda, bombardeios e blindados eram as grandes novidades.

João Barone: Na Primeira Guerra, tinha muita coisa baseada na importância da Alemanha como marco central. Acho os trendings seriam algo voltado para qual lado o Kaiser ficaria naquele momento crucial. Na Segunda Guerra, algo muito representativo foi o isolacionismo dos EUA em relação a tornar a América participante do conflito.

Memes
Cesar Campiani Maximiano: As duas guerras geraram muitos memes, como a satirização dos estereótipos prussianos em 1914, e o guarda-chuvas de Chamberlain na década de 30. Tecnologia, velocidade e plataformas de transmissão de informação mudaram muito, mas as pessoas eram igualmente sagazes há cem ou setenta anos. Se você examinar exemplares de revistas daquela época como a inglesa Punch, vai perceber isso claramente.

João Barone: Tem muitos que poderiam render memes. A mobilização que rendeu Paris em 1914 para levar as tropas francesas para a frente de combate a borde de táxis e de veículos civis. O objetivo era fazer com que eles chegassem a tempo na frente de combate com os alemães, que estavam a 80 km, muito perto. O que se pode dizer de tropas indo a bordo de táxi? Isso renderia ótimos memes. 

Os brasileiros na internet
Cesar Campiani Maximiano: Essa não é uma pergunta difícil de ser respondida, porque as reações brasileiras deram origem a um famoso meme, o da cobra fumando, que acabou se tornando o símbolo da FEB na Segunda Guerra.

João Barone: Getúlio Vargas dominaria as discussões na internet por aqui. Quando os submarinos nazistas e italianos começaram a afundar navios na costa brasileiros, vitimando cidadãos brasileiros, haveria nas redes sociais uma comoção muito grande, um sentimento de vamos nos vingar. Getúlio Vargas sofreria, portanto, muita pressão para entrar na Guerra.

O presidente Getulio Vargas, que se suicidou em agosto de 1954. (Foto: Reprodução)

Fake news
Cesar Campiani Maximiano: A violência das armas no campo de batalha é acompanhada pela guerra de informação. O estrategista prussiano Carl von Clausewitz percebeu há duzentos anos algo que parece novo para nossa geração: as pessoas são mobilizadas pela razão, mas a emoção também tem um papel de protagonista na função de mover corações e mentes. A propaganda anti-alemã em 1914 empurrou muita gente para combater com vontade nos campos de batalha. Além disso, a informação no sentido militar serve para desorientar o inimigo. Os nazistas invadiram a Polônia depois de forjar um incidente fronteiriço e Eisenhower disseminou infindáveis informações falsas para facilitar o ponto verdadeiro do desembarque Aliado na Europa. Perto de algumas campanhas de desinformação e de black propaganda dos anos 40, as fake news de hoje em dia parecem brincadeira de criança.

João Barone: Essa historia do Hitler ter fugido para a Argentina e não ter se matado no dia 30 de abril de 1945 é uma das maiores balelas da Segunda Guerra Mundial.